6.2.09


© 1983. Digitalização feita por Luís Serpa.
Cortesia Depois do Modernismo_O Museu Temporário



DEPOIS DO MODERNISMO
A possibilidade de tudo



Em 1983, durante todo o mês de Janeiro, houve uma coluna dórica a adornar o passeio da Sociedade Nacional de Belas Artes. Quem por aquela altura cruzasse a Rua Barata Salgueiro, em Lisboa, deixar-se-ia certamente iludir pelo volume que ali se assomava, cujo realismo resistia a inspecções cuidadas. Diminuída na sua dignidade e amputada logo no primeiro terço do fuste, esta coluna era o prenúncio de uma ruína – a forma acabada de uma ruptura simbólica, num gesto de violência encenado em pleno espaço público.

Na deliberada provocação que encarnava, esta era a primeira peça de uma exposição que quis transformar o panorama cultural do nosso país. Depois do Modernismo foi mais que uma exposição: foi um movimento colectivo que se insurgiu contra a vigência de um regime institucional obsoleto e contra uma nomenclatura instalada. O espantoso impacto que teve na comunidade artística, mas também no público que a este evento aderiu em massa, confirmou um definitivo virar de página na forma de ver, fazer, e pensar a cultura em Portugal, e anunciou a emergência de toda uma geração de autores hoje incontornáveis nas mais diversas áreas da criação nacional.


© 1983, I. C.
Cortesia Depois do Modernismo_O Museu Temporário



Da SEMA à SNBA
Para contar a história de Depois do Modernismo teremos que recuar a 1979, ano em que foi fundada, por Maria José Freitas e João Miguel Barros, a revista SEMA. Animada por um inovador espírito multidisciplinar, nas suas páginas cabiam não só as artes plásticas – publicando inclusive obras originais – mas também a arquitectura, o design, a poesia ou o ensaio, assim se assumindo como um espaço vocacionado para a divulgação e para o debate de todas as questões relativas à prática cultural. No segundo número da SEMA publicava-se uma curiosa “Nota da ARTA” que anunciava a criação de um “centro de documentação da arte actual” nos espaços daquele atelier lisboeta. Assinado por Julião Sarmento, Leonel Moura e Cerveira Pinto – elementos fundadores da ARTA – este artigo manifestava um claro repúdio face a uma conjuntura crítica na qual a leitura dos acontecimentos artísticos da época estava sujeita “à apreciação dos especialistas – viciados por natureza – e a todos os jogos de interesses pessoais, de grupo, económicos, ideológicos e outros”(1) que se desenvolviam em torno desses mesmos acontecimentos. Este comunicado da ARTA passaria certamente como uma mera nota de rodapé nesta história, caso não se assumisse como o primeiro sintoma do confronto geracional que se viria a intensificar logo nos anos seguintes.

Na edição do Jornal Expresso de 30 de Janeiro de 1982, surgiam dois artigos que, de formas distintas, respondiam a “Aspectos da Arte Abstracta 1970-80” – exposição que a SNBA acolhia por aqueles dias, coordenada por Rui Mário Gonçalves. Se a peça de José Luís Porfírio realçava a natureza nostálgica daquele exercício, o texto de Leonel Moura, intitulado “A discussão do momento”, anunciava o surgimento da pós-modernidade: “um novo período da história da arte [...] onde esse conceito militarista de vanguarda se diluiria no próprio novo, carregado de subjectividade e sem programa, onde a perspectiva direccional da modernidade e a sua narrativa histórica seriam substituídas por fragmentos de informação dispersa.” (2) Ficava claro que, embora inesperada, a aparição do conceito de pós-modernidade neste enquadramento pretendia, simultaneamente, apontar o caminho para uma concepção artística emergente e decretar um atestado de óbito aos modelos artísticos ainda em uso.

Mesmo que colocadas maioritariamente no plano teórico, estas esporádicas mas contundentes manifestações de descontentamento não se dirigiam ao vazio. Ainda que não se fulanizassem abertamente estes ataques, era por demais evidente que o seu alvo era o grupo de profissionais da cultura que constituíam o que Cerveira Pinto nos descreveu como sendo o “statu quo helicóide dos protagonistas, filhos e enteados do neo-realismo, do surrealismo, do informalismo e da abstracção, e que era simultaneamente o novo poder político e burocrático instalado por tudo quanto eram ministérios e associações culturais.” Num país que permanecia refém de uma paupérrima oferta de espaços dedicados à apresentação e discussão cultural, este grupo de profissionais era, consequentemente, restrito e corporalizável em nomes como José-Augusto França, Fernando de Azevedo ou Rui Mário Gonçalves, cujo círculo de influência não se deixou abalar enquanto todas estas questões permaneceram no plano do debate mais que no plano da prática.

A oportunidade de concretizar este descontentamento acabou por surgir ainda nos primeiros meses de 1982, quando os fundadores da SEMA anunciaram que encerrariam a sua actividade com o quarto número da revista. O tom celebratório que marcou o espírito da SEMA queria-se presente num acto final: a realização de uma exposição que incorporasse um conjunto significativo das obras que ali foram publicadas, a ter lugar numa gigantesca garagem junto ao hotel Ritz, em Lisboa. Convidado a desenhar a capa da última edição da SEMA, Luís Serpa terá sido um dos primeiros interlocutores desta ideia, juntamente com Julião Sarmento. Acabado de regressar de uma formação na área do design e da museologia em Itália (onde terá tomado contacto com as temáticas pós-modernas), Serpa reunia um currículo que o tornava uma escolha segura para o lugar de coordenador da exposição.

Quando as primeiras reuniões tiveram lugar, rapidamente se tornou clara a incompatibilidade dos objectivos da SEMA com as ambições do autêntico think tank formado em torno deste desafio, e que era constituído precisamente por Luís Serpa, Julião Sarmento, Cerveira Pinto e Leonel Moura. Se a possibilidade de desenhar uma exposição multidisciplinar colhia as opiniões favoráveis deste grupo, a ideia de nela fazer constar a maioria das obras publicadas na SEMA não era propriamente consensual. A proposta equacionada por este colectivo passava, então, pela realização de um evento que juntasse as artes visuais e a arquitectura, mas também a música, o teatro e a moda, reunindo um conjunto de autores que partilhassem o inconformismo face à predominância do modernismo nas instituições nacionais, e cujas obras pudessem responder à nova concepção cultural pós-moderna.

Todavia, e como nos conta Julião Sarmento, “quando apresentámos esta proposta à direcção da SEMA responderam-nos que não era esse o objectivo e o projecto divergiu. Sem espaço e sem apoios, a única solução que nos pareceu possível foi inscrevemo-nos na SNBA para que pudéssemos requisitar o espaço enquanto sócios.” Com um projecto delineado e um espaço garantido, este grupo de agentes, ainda informal, reorganizou-se, estruturou e distribuiu tarefas, e reservou os primeiros dias de Janeiro de 1983 para o início das suas actividades.


Um outro tipo de evento, uma outra forma de cultura
A inauguração de Depois do Modernismo foi precedida por uma inédita e impressionante estratégia de marketing cultural. Contudo, mais que os cartazes ou os outdoors produzidos para o efeito, o factor que melhor contribuiu para a divulgação deste evento foi a sucessão de artigos que sobre ele foram publicados na imprensa nacional, logo a partir do último trimestre de 1982. Textos de Cerveira Pinto, Prado Coelho ou Francisco Belard, cumpriram a função de criar uma expectativa e, simultaneamente, avançar importantes reflexões sobre a ‘condição pós-moderna’ (3). Na face invisível deste processo encontrava-se uma muito eficaz máquina de promoção – coordenada por Alexandre Pomar, adido de imprensa da exposição – que, a tempo e horas, fez seguir, para moradas nacionais e internacionais, um dossiê de imprensa composto por diversos comunicados, textos do catálogo, organigramas e calendários, nas versões portuguesa, inglesa e francesa.

Ainda antes da inauguração, não era difícil saber-se que este evento era coordenado por Luís Serpa, e que seria composto por uma exposição de artes visuais, uma exposição de arquitectura e uma outra de moda (comissariadas por Leonel Moura, Michel Alves Pereira e Nuno Carinhas, respectivamente), todas elas em simultâneo na SNBA; que o seu programa incluía ainda “Por cima o Silêncio...”, um espectáculo de música criado por Carlos Zíngaro e apresentado no espaço Intermédia (onde hoje se encontra a galeria Luís Serpa Projectos), “Tanza-Variedades”, espectáculo interdisciplinar escrito e encenado por Ricardo Pais a ter lugar no Teatro da Graça, e um ciclo de colóquios sobre o pós-modernismo (coordenado por Cerveira Pinto), cuja sessão de encerramento previa a participação de Germano Celant e Rudy Fuchs, dois dos mais influentes curadores internacionais da época.

Contando com a participação directa de mais e 90 autores, Depois do Modernismo reuniu artistas, críticos, pensadores, arquitectos, designers, músicos, actores e o público, em torno de cinco questões que assim se formulavam: “Saber até onde a ‘modernidade’ esgotou, ou não, a sua energia avassaladora e se resume hoje a um conceito vazio de conteúdo, pronto a ser utilizado para significar tudo e nada; saber se em Portugal têm lugar formas de expressão artística que possam integrar a amplitude e ambiguidade de uma noção como é a de pós-modernidade; saber se é possível estabelecer pontes de entendimento entre campos diversos, frequentemente afastados entre si, por acção dos mais diversos mecanismos sociais, partindo do pressuposto de que tanto o alinhamento académico como a inovação a todo o custo não constituem parâmetros aceitáveis para nenhuma das artes em presença; saber se os fragmentos daí reunidos poderão ajudar a delinear, não uma tendência geral, mas um estado de espírito particular; enfim, saber onde podemos estar quando tudo levar a crer que já não estamos em parte alguma.” (4)

Quando se abriram as portas da SNBA no dia 7 de Janeiro de 1983, a avalancha de público excedeu todas as expectativas. Pelas suas galerias circularam centenas de pessoas que puderam encontrar obras de artistas como Álvaro Lapa, Ângelo de Sousa, Palolo, Gaëtan, José de Carvalho, Julião Sarmento, Pedro Calapez, ou Sérgio Pombo, projectos de arquitectura de Joaquim Braizinha, João Carrilho da Graça, Manuel Graça Dias, Margarida Grácio Nunes, Fernando Sanchez Salvador, João Vieira Caldas ou Troufa Real, e propostas para “Fato de trabalho para artista pintor” pelas estilistas ou designers de moda Jasmim, Zica Gaivão, Ventura Abel e Vera Castro. Porém, mais que assistir a um então desconcertante regresso à pintura e à afirmação de uma autonomia estética por parte dos artistas, a uma surpreendente abertura ao ecletismo e ao exercício simbólico por parte dos arquitectos, e à equiparação da moda às restantes disciplinas artísticas, o que o público que ali acorreu não pôde deixar de sentir foi a evidente revolução na forma de estar na cultura que este acontecimento propunha.
Nos antípodas do regime disciplinar e da solenidade protocolar ainda em voga nos circuitos institucionais, Depois do Modernismo promovia a convivência, e mesmo a contaminação dos diferentes campos artísticos, bem como uma atitude cosmopolita e convivial que celebrava a arte e a vida nas suas múltiplas acepções. Aquela era a festa de uma geração – a afirmação inequívoca da sua liberdade e da sua autonomia – forjada nas cumplicidades que se teciam entre o Jamaica e o Frágil, numa versão revista e ampliada das célebres tertúlias artísticas das décadas anteriores. E esta era uma geração que não só se sintonizava com as últimas propostas da arte internacional, como aspirava a criar as condições que lhe permitissem inscrever-se nos seus circuitos. Na sua inegável energia, aquele era o despontar de uma nova era.


© 1983, Pedro Libório
Cortesia Depois do Modernismo_O Museu Temporário



Efeitos e Heranças
A contestação a Depois do Modernismo será muito provavelmente a sua maior prova de sucesso. As fontes dessa contestação foram muitas, e os argumentos variados, mas todos eles comprovam, ora a pertinência do evento, ora o efeito do seu impacto. De forma inesperada, o primeiro sinal de contestação surgiu do interior da própria estrutura. Como recorda Manuel Graça Dias, os arquitectos do Porto contactados para participar nesta exposição responderam ao convite, não com uma selecção de projectos, mas com “um texto que tentava demonstrar que não fazia sentido falar-se em ‘depois do modernismo’ em Portugal, porque a modernidade não tinha sido cumprida no nosso país. Era uma espécie de manifesto – uma reflexão profunda sobre a história da arquitectura nacional no séc. XX, avançando pelos exemplos que tentaram instituir a modernidade em Portugal, mas concluindo que essa modernidade não tinha sido alcançada, pelo que se recusavam a participar na exposição.” Esta recusa, embora tenha agitado as hostes (5) , não significava que estes arquitectos não tomariam parte no evento. Algures por entre os biombos que albergavam os projectos de arquitectura, encontrava-se um telegrama assinado por Adalberto Dias, Alcino Soutinho, Alves Costa, Álvaro Siza, Domingos Tavares, Eduardo Souto Moura e Sérgio Fernandez, cujo texto era explícito, apenas o suficiente, para que se percebesse que a cisão programática os afastava da sala de exposições, mas não impedia a presença da sua reflexão e dos seus argumentos no catálogo. Do conjunto das respostas desfavoráveis ao evento, esta talvez tenha sido a mais frutífera.

Bem mais agressiva foi a reacção dos representantes da geração que à época dominava o circuito institucional, então protagonizada por Rui Mário Gonçalves. O artigo que este publicou no número de Março da Colóquio Artes é bastante expressivo do desconforto sentido. Intitulado “Bad Painting, Bad Criticism”, este texto vogava entre a caracterização do certame como medíocre, o ataque declarado aos elementos da organização, e a denúncia de um arrivismo de olhos postos no poder. “Em suma: os organizadores, substituindo-se aos críticos naquilo que exige capacidade crítica, e não podendo deixar de imiscuir a vontade de auto-promoção, prejudicam com os seus equívocos as obras de alguns artistas que se têm apresentado mais entendívéis em certames menos ruidosos.” (6) Esta era a evidência maior de que Depois do Modernismo tinha atingido um nervo que finalmente retorquia. As tentativas de reduzir o evento a um mero percalço, a um fogacho inconsequente, a um gesto fútil e vazio, tanto de conteúdo quanto de consequência, denotavam o reconhecimento subliminar do potencial de mudança que esta exposição apresentava: uma mudança que, a concretizar-se, significaria uma alteração profunda no paradigma cultural português e uma provável falência dos modelos instituídos.

É certo que “não houve nos anos seguintes uma efectiva transformação dos modelos de avaliação ou actuação da SNBA, da Fundação Gulbenkian ou das escolas. Porém, as condições imediatas de acção/recepção directa junto do público, imprensa, coleccionadores, etc., alteraram-se rapidamente. Mais uma vez o real se adiantou ao poder e aos modelos da sua representação.” Este ‘real’, de que nos fala João Pinharanda, era o trabalho promovido por um novo conjunto de agentes que nas galerias, nos centros artísticos ou na imprensa, deram continuidade à experiência social e cultural testada em Depois do Modernismo. De entre os muitos resultados produzidos, esta experiência legou-nos uma nova conjuntura artística – sintonizada num princípio de pluralidade e interdisciplinaridade – mas principalmente uma “dimensão cosmopolita” que, nas palavras de Alexandre Melo, se preocupava em “situar tudo o que se fazia num contexto internacional e num contexto global, por oposição a visões nacionalistas, seja da história, seja da própria arte que se fazia em Portugal.”

Muitos dos nomes que se associaram a este acontecimento fazem hoje parte do nosso quotidiano cultural. Estes 26 anos decorridos confirmaram a sua aposta, e tornaram esta a última geração a reunir-se em torno, não de um manifesto, mas de uma urgência colectiva. Em síntese, e segundo Luís Serpa, “na ausência de uma regra sociológica, politica e cultural, estes artistas acabaram por se juntar em torno de um nada que era, no fundo, a possibilidade de tudo – tudo o que era capaz de fazer a mudança.”


Bruno Marchand

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1. “Nota da ARTA”, Sema, No.2, Verão de 1979
2. Leonel Moura, “A Discussão do Momento”, Expresso – Revista, 30 Jan. 1982, p. 28
3. Veja-se o importante artigo de Eduardo Prado Coelho, “Depois do Modernismo”, Expresso – Revista, 20 Nov. 1982, pp. 32-33
4. Luís Serpa, “A propósito...”, in AAVV, Depois do Modernismo, Lisboa, s.ed., 1983, p.10
5. Veja-se, a título de exemplo, o artigo de José Manuel Fernandes, “A surpresa do Porto – uma arquitectura ausente”, Jornal de Letras, 18-31 Janeiro de 1983, p. 15
6. Rui Mário Gonçalves, “Carta de Lisboa: Bad Painting, Bad Criticism”, Colóquio Artes, No. 56, Mar. 1983, pp. 64-66



Agradecimentos:

António Cerveira Pinto
Manuel Graça Dias
Alexandre Melo
Leonel Moura
João Pinharanda
Julião Sarmento
Luís Serpa
Carlos Zíngaro
Ana Almeida (TNSJ)
Ana Anacleto
Olga Martins
Alexandre Pomar
Susana Pomba
Helena Vasconcelos

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FICHA TÉCNICA


Título:
Depois do Modernismo

Exposições:
Depois do Moderno – Arquitectura
Adalberto Tenreiro, A. de Souza Oliveira, A. Marques Miguel, A. Barreiros Ferreira, A. Belém Lima, B. Daupías Alves, Cândido C. Gomes, C. Lemonde de Macedo, Carlos Marques, Carlos S. Lameiro, Carlos Travassos, E. CArdim Evangelista, Fernando S. Salvador, J. Carrilho da Graça, João Paciência, J. Serpa de Vasconcelos, J. Vieira Caldas, J. Braizinha, J. Farelo Pinto, J. Charters Monteiro, J. Santa-Rita Fernandes, J. Cabral Caldeira, J. Manuel Fernandes, J. Teles Grilo, Luiz Cunha, L. Lourenço Teles, L. Patrício Costa, L. Sá Machado, Manuel Bastos, M. Graça Dias, Manuel Lacerda, Manuel Vicente, Margarida Grácio Nunes, M.ª do Céu Barracas, M.ª Godinho de Almeida, M.ª Rosário Venade, Michel Alves Pereira, M. Chalbert Santos, Teresa Almendra, Tomaz D’Eça Leal, Troufa Real, Vicente Bravo Ferreira, Victor Consiglieri, Vítor Mestre.
Local: Sociedade Nacional de Belas Artes

Catástofres Elementares – Artes Visuais
Álvaro Lapa, Ângelo de Sousa, António Palolo, Cerveira Pinto, Gaetan, José Barrias, José de Carvalho, Julião Sarmento, Jwow Basto, Leonel Moura, Luís Serpa, Lurdes Robalo, Mário Varela, Pedro Calapez, Rocha Pinto, Sérgio Pombo, Vítor Pomar.
Local: Sociedade Nacional de Belas Artes

Proposta de fato de trabalho para artista pintor – Moda
Jasmim, Zica Gaivão, Ventura Abel, Vera Castro.
Local: Sociedade Nacional de Belas Artes

Datas:
07 a 30 de Janeiro de 1983


Colóquios:
Dia 22.01.1983: O Movimento Moderno morreu?
Dia 23.01.1983: Arquitectura agora!
Dia 23.01.1983: Arquitectura e o resto!
Eduardo Prado Coelho, João Vieira Caldas, José Manuel Fernandes,
Mª João Madeira Rodrigues, Michel Alves Pereira, Manuel Graça Dias,
Nuno Porttas, Pedro Vieira de Almeida
Dia 24.01.1983: Depois do Modernismo I
Ernesto de Sousa, José Barrias, José Luís Porfírio
Dia 25.01.1983: A má pintura e a ideia de Arte
Cerveira Pinto, Leonel Moura, Mário Varela
Dia 26.01.1983: Depois do Modernismo II
Germano Celant e Rudy Fuchs
Local: Escola Superior de Belas Artes de Lisboa

Espectáculo de Música:
Por cima o silêncio...
Carlos Bechegas, Carlos “Zíngaro”, Emília Rosa, Greg Moore,
Jorge Valente, Victor Martins
Local: Espaço Intermédia
Datas: 07, 08, 14, 15 e 21 de Janeiro de 1983


Espectáculo de Teatro-Dança
Tanza – Variedades
Ana Rita Palmeirim, Cândida Vieira, Carlos “Zíngaro”, Helena Vieira, João Natividade, Joaquim Leitão, José Ribeiro da Fonte, Nuno Carinhas, Nuno Vieira de Almeida, Paula Massano, Ricardo Pais, Rosi Burguete, Teresa Madruga.
Local: Teatro da Graça.
Datas: 27, 28, 29 e 30 de Janeiro de 1983

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ENTREVISTAS E DEPOIMENTOS


António Cerveira Pinto
Artista, Crítico, Professor e Produtor
Informação Online

Foi sobretudo uma dinâmica geracional de gente que estava por volta dos 30-35 anos, que, por um lado, queria romper com a cultura instalada, em grande medida controlada pelo PCP (sob a forma curiosa de uma aliança burocrática entre as "vanguardas" neo-realistas e os abstraccionistas), e por outro, no rescaldo da balbúrdia pós-revolucionária, aspirava a uma nova identidade ideológica, estética e cultural em sentido lato. Nas artes visuais, o primeiro passo foi dado pela via da chamada Arte Conceptual que, por sinal, correspondia a um sentimento de esquerda, ou libertário, pós-estalinista, de cariz sobretudo intelectual (pós-estruturalista) e... ecológico. O paradigma deste primeiro passo foi a Alternativa Zero. Depois do Modernismo foi, pois, o segundo passo do movimento de “re-identificação” das artes que se seguiu à destruição do casulo cultural da ditadura. [Jean-François] Lyotard serviu então às mil maravilhas para coerir uma conversa que vínhamos tendo também em volta do esgotamento das vanguardas. Havia, em síntese, dois planos de descolagem ideológica:

1. O plano da ultrapassagem do statu quo helicóide dos protagonistas, filhos e enteados do neo-realismo, do surrealismo, do informalismo e da abstracção, e que era simultaneamente o novo poder político e burocrático instalado por tudo quanto eram ministérios e associações culturais;
2. O plano da interrogação crítica genuína centrada na encruzilhada das vanguardas enquanto lógica derivativa do Modernismo e da chamada Arte Moderna.

[...]

Não houve tempo para praticar uma verdadeira interdisciplinaridade, embora o tema fosse recorrente nas conversas sobre "arte e biologia" organizadas no meu atelier nos anos 80-81 (se não me engano), com a participação activa de mim próprio, do biólogo Carlos de Jesus, da pedagoga Catalina Pestana e de Leonel Moura. Excepção feita ao espectáculo Tanza Variedades, onde gente da música, do teatro e da moda efectivamente se encontraram (Carlos Zíngaro, José Ribeiro da Fonte, Ricardo Pais, Nuno Carinhas, etc.), houve sobretudo um enorme desejo de contiguidade multi-disciplinar e de afirmação de uma nova sensibilidade cultural urbana.

[...]

Depois do Modernismo foi um êxito retumbante! Basta ver por onde evoluíram as actividades culturais no nosso país a partir daquele momento e quem as protagonizou... até hoje! O caldo de Depois do Modernismo serviu para redefinir, não apenas os protagonistas culturais, mas até o poder cultural – o qual, a partir da governança de Cavaco Silva, substituiu progressivamente a esquerda estalinista por uma mistura urbana mais rica, embora despolitizada.
Se algo me desagradou no pós-Depois do Modernismo foi o excesso de oportunismo carreirista, egocêntrico e comercial, alimentado por uma liquidez financeira ilusória, que acabou por contaminar boa parte dos criadores, retirando-lhes exigência crítica e verdadeira ambição cultural, bem como a formação de uma nova nomenclatura burocrática (instalada em todos os corredores do poder, da Gulbenkian ao aparelho de Estado, passando por boa parte das instituições culturais), mais interessada na sua perpetuação e autopromoção obsessiva, do que na promoção e desenvolvimento de uma efectiva competitividade cultural. Do ponto de vista artístico, infelizmente, Portugal está outra vez uma década atrás dos centros intelectuais e artísticos onde as questões pertinentes se discutem. Deixei, pois, de ter interlocutores no meu país para o diálogo artístico e cultural. O meu mundo dialéctico está noutro lugar.



Manuel Graça Dias
Arquitecto
Informação Online

Estive na organização deste evento, integrando um grupo composto por uma série de pessoas relacionadas com a arquitectura, nomeadamente o José Manuel Fernandes, o Michel Alves Pereira, o João Vieira Caldas ou o Carrilho da Graça. O que nos unia, no fundo, era um certo inconformismo em relação a um tipo de arquitectura demasiado burocratizada a que a modernidade tinha chegado. Éramos todos muito novos mas lemos no desafio que a exposição levantava uma oportunidade para agitar o panorama e para pôr em causa alguns dogmas que a modernidade tinha vindo a estabelecer como premissas que ninguém questionava.
Pareceu-nos que aquela exposição – que vinha já com alguma projecção do lado das artes plásticas – era a oportunidade ideal. Cada um de nós fez listas de potenciais participante e os nomes mais repetidos foram aceites; outros foram mais discutidos, embora todo o processo tenha sido muito empírico. Depois o Michel Toussain [Alves Pereira] desenhou os “casinhotos” que albergavam as contribuições de cada arquitecto e onde figuravam quer obras em curso quer meros projectos.

[...]

Nós conhecíamos menos bem os arquitectos do Porto mas, ainda assim, fizemos uma lista de convidados bastante extensa. Depois do convite, recebemos um documento dos arquitectos do Porto, com um texto que tentava demonstrar que não fazia sentido falar-se em ‘depois do modernismo’ em Portugal, porque a modernidade não tinha sido cumprida no nosso país. Era uma espécie de manifesto – uma reflexão profunda sobre a história da arquitectura nacional no séc. XX, avançando pelos exemplos que tentaram instituir a modernidade em Portugal, mas concluindo que essa modernidade não tinha sido alcançada, pelo que se recusavam a participar na exposição. Em 2002 esse assunto voltou a surgir no contexto de uma mesa-redonda e alguns destes arquitectos reconheceram que aquilo que lhes tinha parecido um disparate era afinal uma reflexão necessária, ou seja, que tinha sido de facto importante repensar o rumo que a arquitectura nacional tomava na altura.

[...]

A exposição, embora fosse relativamente desinteressante, não deixou de ser um sucesso em termos de público. Este facto veio provar que havia público para a arquitectura; isto é, as pessoas empenhavam-se no conhecimento dos projectos e era notória a sua disponibilidade para discutir o espaço e as soluções que eram apresentadas. A partir daquele momento, passou a discutir-se muito mais arquitectura nos jornais e criou-se um hábito de escrita sobre o tema que não se confinava às revistas da especialidade.

[...]

O que esta exposição e a questão do pós-modernismo teve de interessante, particularmente para os arquitectos, foi o facto de a história e o pensamento simbólico deixarem de ser proibidos. A modernidade tinha, de certa forma, proibido este tipo de raciocínio em nome da “cientificidade”, do rigor, do primado do funcional, da verdade dos materiais, etc. Obviamente, esta situação tinha também ela uma razão histórica que a sustentava e que passava exactamente pela reacção ao excesso ornamental da arquitectura que precedeu o período moderno. Contudo, aquilo que acabou por acontecer foi que as questões da modernidade tornam-se cada vez mais burocratizadas e chegámos aos anos 70 com uma noção de arquitectura como mera transformação de um organograma num volume... Nada daquilo tinha muito interesse. No final do curso, começou a perceber-se que havia um grupo de profissionais que estavam descontentes com o panorama e que acabaram, muitos deles, por ser integrados neste evento. E foi o convite para a exposição que reuniu e fez surgir essa discussão entre esses profissionais. Atrevo-me a dizer que se a exposição tivesse incidido apenas nas artes plásticas não teria tido metade do impacto.



Alexandre Melo
Crítico de Arte e Curador
Informação Online

O mais importante nesta exposição foi o facto de trazer para o primeiro plano da cena cultural portuguesa uma série de tópicos que, embora não fossem inéditos, tinham em Portugal algum potencial de novidade. Desde logo, a questão do pós-modernismo – a questão conceptual mas também a questão das práticas artísticas relacionadas com esse tópico. Por outro lado, uma vocação ou uma ambição transdisciplinar que reuniu contribuições da área da arquitectura, das artes plásticas, da música, do teatro, da dança, da performance, etc., e que gerou em torno da exposição uma energia que viria a ter seguimento na actividade de alguns artistas e de alguns produtores, como é o caso do Luís Serpa na Galeria Cómicos. No fundo, criou-se essa atmosfera transdisciplinar que era uma relativa novidade no plano nacional. Outro aspecto interessante foi a articulação convivial, mundana e social muito forte que essa exposição trouxe, e que se prolongou em acontecimentos artísticos futuros.
De qualquer forma, é preciso que tudo isto seja enquadrado no contexto de uma época que saía de um período muito marcado por conflitos políticos e ideológicos. A segunda metade da década de 70, pelas razões históricas e politicas que conhecemos, foi dominada por debates ideológicos anacrónicos em torno do marxismo. Isso fez com que os tópicos lançados na exposição, e que hoje nos parecem de certa forma banais, ganhassem contornos de grande inovação.

[...]

Depois do Modernismo marca a emergência de uma nova conjuntura artística em Portugal. Isto é, o tipo de perspectivas historiográficas do França e dos seus seguidores esgotou-se nos anos 60. O França é um historiador muito importante para Portugal mas a sua contribuição ocorre fundamentalmente até aos anos 60. Os anos 70 são marcados pelas discussões ideológicas que já referi, anos altamente conturbados, e nos anos 80 emerge uma nova conjuntura artística e cultural. Depois do Modernismo surge como símbolo de uma experiência social e cultural diferente – muito ligada à vida urbana e a uma dinâmica transdisciplinar –, feita por uma nova geração de protagonistas (artistas, arquitectos, encenadores, designers de moda, e inclusive de críticos, etc.), que contrasta com o que se praticava até às décadas de 60/70.
É curioso notar que muitos dos artistas que participaram na exposição já tinham um trabalho importante desde meados dos anos 70, sendo que, dos que se afirmaram na década de 80, só um participou na exposição. Daí esta função de charneira. Podemos dizer, de forma simplista, que a Alternativa Zero marca o final dos anos 70, e Depois do Modernismo inaugura os anos 80 e toda uma nova conjuntura.

[...]

Uma outra diferença, e de acordo com os princípios básicos do ideário pós-modernista, era o facto de esta abordagem não se pautar pela visão historiográfica tradicional, em que tudo é enquadrado numa história baseada numa sucessão de movimentos, mas antes basear-se num princípio de contemporaneidade: a noção de que diferentes situações aconteciam em simultâneo, pelo que existia uma lógica de pluralidade e de diversidade que ainda hoje me parece ser o ponto de vista mais apropriado para falar de arte contemporânea. Era uma espécie de ensaio de discurso que estabelecia uma relação directa com os artistas e com as obras, e que as punha em diálogo com tudo o que as rodeava, sem a preocupação de as arrumar de acordo com uma visão histórica tradicional.
Outra questão importante era a dimensão cosmopolita, reivindicada por mim e por outros agentes com os quais me relacionava, e na qual havia a preocupação de situar tudo o que se fazia num contexto internacional e num contexto global por oposição a essas visões nacionalistas, seja da história, seja da própria arte que se fazia em Portugal.

[...]

Um dos primeiros textos que publiquei foi sobre o Depois do Modernismo, mas ainda não era um texto especializado na área das artes plásticas ou da crítica de arte. Daí em diante, quer individualmente, quer em colaboração com o João Pinharanda, inicia-se uma forma de escrita que é bastante diferente do que existia antes. Em relação à minha experiencia em particular, as principais diferenças seriam uma ligação muito directa à experiência de trabalho dos artistas e à própria forma como estes desenvolvem a sua intervenção cultural. Foram entrevistas, reportagens, por vezes montagens de textos, nos quais as conversas com os artistas, as suas declarações, e os contextos onde eram mostrados os seus trabalhos eram muito importantes. O que fazia nem era propriamente critica de arte; eram textos onde a cumplicidade vivencial com os artistas e outros agentes culturais era muito forte.



João Pinharanda
Crítico de Arte e Curador

A relação [entre esta exposição e o desenvolvimento do mercado da arte no nosso país] não é de causa-efeito mas de coincidência perfeita: a exposição é um facto que se explica no contexto do (usando um termo que então se recuperou) "zeitgeist" da década, embora as escolhas no âmbito das artes plásticas sejam excessivamente conservadoras (determinadas pelas escolhas da "Alternativa Zero" de 1977, de onde "vinham" os organizadores), e desatenta aos protagonistas que definiriam as novas gerações dos anos 80 (deles, apenas Calapez estava entre os escolhidos).

[...]

A relação [com o panorama internacional] é exacta porque os seus promotores seriam, porventura, as únicas pessoas que, entre nós, possuíam e conseguiam manejar a informação exterior mais actualizada. A questão que se pode e deve colocar é a seguinte: teria essa "vanguarda" campo de trabalho interno? Ao agir sem ter em conta as condições interiores de resistência terá traçado a melhor estratégia de acção?

[...]

Mesmo tendo em conta uma avaliação das condições internas pouco objectiva, e pecando por optimismo, os efeitos foram notórios: lentos a nível institucional: não houve nos anos seguintes uma efectiva transformação dos modelos de avaliação ou actuação da SNBA, Fundação Gulbenkian ou das escolas. Porém, as condições imediatas de acção/recepção directa junto do público, imprensa, coleccionadores, etc., alteraram-se rapidamente. Mais uma vez o real se adiantou ao poder e aos modelos da sua representação.

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Contudo, a mais rápida capacidade de encaixe e de alteração das práticas ou protocolos estabelecidos pelo meio das artes em contextos anteriores veio, estranhamente, do próprio Estado. No entanto, o agente dessa transformação foi um artista que integrava a geração mais activa da mudança conseguida no Depois do Modernismo – o Fernando Calhau. Embora com escassos resultados práticos (por falta de financiamentos e por instabilidade da política cultural governamental) a eficácia dessa evolução ficou provada na capacidade de absorção, pelo tecido institucional e social, cultural e de gosto, das gerações seguintes.
Vencida a resistência da Gulbenkian – pela geração de 80, no final da década e início da seguinte – e alargados nacionalmente os pólos de criação, exibição e apoio a artistas (com a instituição da acção de Serralves e o início das bolsas e da colecção da FLAD, por exemplo) apenas mais uma geração recorreu à estratégia de ruptura – precisamente a que opôs ferozmente os anos 90 contra os anos 80.
Passada a crise violenta que coincidiu com a primeira guerra do golfo, logo os artistas cuja carreira se define entre meados e finais dos anos 90, abandonam campos de intervenção polémicos ou a assinatura de manifestos, e se adaptam sem ideologia clara às soluções de funcionamento do mercado ou das suas margens, dos seus agentes (entretanto também multiplicados) e dos seus públicos.
A fuga proporcionada pelas bolsas internacionais (de que quase nenhum dos protagonistas dos anos 80 e 90 beneficiou e que, entretanto, passou a contar com a Gulbenkian, que actualizou ela mesma os critérios de atribuição) é uma das explicações para essa situação de descompressão.



Julião Sarmento
Artista
Informação Online

Conheço o Luís Serpa desde 1968, ano em que entrámos ambos na ESBAL e fizemos parte de um grupo de amigos que contava também com a Safira Serpa, a Helena Vasconcelos, o Fernando Calhau, entre outros. Fizemos todo esse percurso juntos. Por outro lado, depois do 25 de Abril de 1974, e já fora do âmbito da ESBAL, comecei a passar bastante mais tempo com o Ernesto de Sousa, que teve muita influência sobre o meu percurso na altura. Foi o Ernesto quem me apresentou o Leonel Moura, de quem me tornei próximo. Uns anos mais tarde conhecemos ambos o António Cerveira Pinto e, nos anos que se seguiram ao 25 de Abril, nós três dinamizámos uma série de projectos em conjunto.
No final dos anos 70 começa a notar-se um cansaço em relação à frieza do trabalho conceptual em que todos estávamos envolvidos e todos nós – eu, o Cerveira Pinto e o Leonel Moura – começámos a fazer pintura, de certa forma acompanhando a mudança que o panorama internacional conhecia na época. Entretanto o Luís Serpa já estava bastante envolvido na área do design e da publicidade. E é precisamente nessa época que recebo um telefonema dos dirigentes da SEMA – que era uma revista que tinha inúmeras colaborações de artistas, com obras feitas especificamente para aquele meio – no qual me informam que estava para sair o último número da revista e que queriam fazer uma exposição num espaço da Móbil, numa garagem gigantesca perto do Hotel Ritz. Propunham-se fazer uma exposição de todas as obras que tinham sido criadas para a revista e pediram-me que ajudasse na organização.
A SEMA correspondia, de facto, a uma tentativa de quebrar com o estabelecido, mas havia alguma oscilação no que respeita à qualidade das obras que a revista apresentava. De qualquer forma, pensei que aquelas eram as condições e a altura ideal para fazer uma exposição na esteira daquilo que o Ernesto de Sousa tinha vindo a desenvolver. Sabia que eu próprio não tinha tempo para organizar a exposição, mas pensei imediatamente que o Luís Serpa seria a pessoa ideal para avançar para este desafio. Nas conversas que tivemos na altura, começou a pensar-se num evento que, para além das artes plásticas, incorporasse outras disciplinas como a arquitectura, etc. Percebemos rapidamente que o ideal seria integrar mais pessoas na coordenação e eu levei o Luís até ao Cerveira Pinto e ao Leonel Moura. Quando apresentámos esta proposta à direcção da SEMA responderam-nos que não era esse o objectivo e o projecto divergiu. Sem espaço e sem apoios, a única solução que nos pareceu possível foi inscrevemo-nos na SNBA para que pudéssemos requisitar o espaço enquanto sócios.

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A Lisboa da época não tinha a oferta que tem hoje e a inauguração da exposição foi um acontecimento em que estiveram todas as pessoas chave da cultura daquela época. Foi a primeira vez que em Portugal se fez uma exposição de forma super profissional: pela primeira vez que houve um publicist – o Alexandre Pomar, o que significou também a entrada dele no mundo artístico – e houve um catálogo pronto antes da inauguração.
É bom lembrar que na altura havia muito menos artistas, muito menos arquitectos, muito menos opções, e as cisões eram muito mais claras. Desde então até hoje, o mundo cultural cresceu exponencialmente.

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Na mina opinião o pós-moderno, o conceito do pós-modernismo, foi apenas uma bandeira, excepto para o Luís Serpa. Todos os outros não eram convictamente pós-modernos.

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A herança? Penso que uma parte considerável da “intelligentsia” cultural portuguesa seria certamente diferente se a exposição não tivesse acontecido. Tudo isto é um processo de estratificação: a exposição fez abanar a estrutura, criou uma fractura e estabeleceu uma plataforma sobre a qual se estabeleceram as estruturas que vieram depois. Caso não tivesse acontecido, as estruturas actuais seriam certamente diferentes.



Luís Serpa
Galerista, Curador e Produtor
Informação Online

A minha versão, e o que eu sei sobre a origem desta exposição, é que a SEMA me convidou para fazer a capa do quarto número da revista e eu sugeri que se fizesse uma exposição a acompanhar seu o lançamento. Na altura pensei em organizar a exposição segundo as várias disciplinas. Rapidamente me apercebi de que o modelo deveria ser muito mais alargado, até porque a SEMA publicava poesia, por exemplo. Eles tinham uma visão sobre o que devia ser a exposição mas quando me percebi que aquele não era o melhor modelo, entrei em contacto com o Julião que me disse que eu deveria conhecer o Leonel Moura e o Cerveira Pinto, e ter com eles algumas conversas sobre o modelo a adoptar. Foi nessas discussões que surgiu a ideia de fazer uma exposição sobre o pós-modernismo. Eu tinha estado em Itália a fazer um curso de design e de museologia; lá a discussão sobre o pós-modernismo estava já muito presente. O Cerveira Pinto sugeriu o nome e eu assegurei uma posição de coordenador geral.

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A estratégia fundamental que subjazia a toda a exposição era produzir um evento que fugisse aos cânones tradicionais deste tipo de projectos. Porém, era óbvio que estávamos dependentes de apoios institucionais para o fazer. A Gulbenkian e a SEC acabaram por dar apoio, eu trouxe a minha experiência na área da gestão de projectos no campo do design e do marketing cultural, e estruturei uma equipa que me ajudou a conseguir apoios estratégicos. Portugal nunca tinha assistido a um plano de marketing assim aplicado à cultura. Foi um evento cosmopolita.

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Houve, é certo, querelas internas, como a não participação dos arquitectos do Porto, e houve cisões no plano da moda (entre os que se consideravam designers e os que se diziam estilistas, etc).

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Esta galeria foi uma consequência directa da exposição, quando, logo depois da exposição o Carlos Zíngaro me convidou a desenvolver uma programação para este espaço.

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O Depois do Modernismo surge ainda com o rastro do 25 de Abril. As instituições estavam todas muito marcadas pelo espírito que as ocupou no seguimento da revolução, todo o discurso era muito bloqueado. O Depois do Modernismo surgiu como uma iniciativa um pouco “rebelde” que se insurgia contra esse pensamento único instituído em Portugal. Não que o pensamento que animou este evento não fosse um pensamento único, mas era uma pensamento ligado à extrema-esquerda, ao passo que o revisionismo comunista estava instalado nas instituições.
Eu estava fora disso porque nunca participei muito activamente na política, mas a minha experiência em Itália acabou por me situar como middleman, ou seja, alguém que funciona como mediador no âmbito projectual. Isto foi importante numa época em que já não havia manifestos nem pensamentos estanques e onde as mediações ganhavam muita importância. Não queríamos que aquele movimento se tornasse num ‘ismo’.

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Nós tínhamos como objectivo a internacionalização, coisa que Portugal ainda não tinha conseguido. Os artistas que participaram no Depois do Modernismo tinham essa ambição e esta galeria acabou também por se tornar o ‘braço armado’ dessa vontade de internacionalização. A ideia era conseguir importar e exportar artistas.

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Por essa altura os artistas ainda não tinham a consciência do conceito do pós-modernismo como tinham os arquitectos ou os designers. A questão central era o movimento pós-moderno e não tanto os artistas pós-modernistas mas havia, de facto, alguns artistas que se encaixavam nesta nova problemática, mesmo que não estivessem plenamente situados na discussão teórica que já acontecia noutros planos.

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O Depois do Modernismo oscilou entre a sua afirmação e a ruptura estética com o período anterior. Contudo, existia claramente uma postura cosmopolita que declarava uma oposição consciente ao pensamento único pelo qual se regiam as políticas institucionais da época.
Na ausência de uma regra sociológica, política e cultural, estes artistas acabaram por se juntar em torno de um nada que era, no fundo, a possibilidade de tudo – tudo o que era capaz de fazer a mudança. E a grande ambição não era fazer um evento-manifesto (que acabou também por ser) mas fazer um evento cosmopolita, aberto à discussão, cujo modelo pudesse ser replicado.



Carlos Zíngaro
Músico
Informação Online

A componente musical foi, de facto, de muito menor relevância ou presença que a de qualquer das outras artes apresentadas. É um dado adquirido ainda nos tempos correntes: a maior importância das restantes artes em relação à música, encarada tantas vezes como suporte para outras acções artísticas e/ou de actividade “populista” e industrial, congregadora de momentos mais ou menos “rituais”... Enquanto a presença das artes visuais foi particularmente representativa – ou não tivesse a iniciativa surgido justamente de um grupo de artistas e arquitectos particularmente próximos da temática – a música terá tido presença por eventuais razões de proximidade geracional e enquanto elemento estrutural de actividades performativas (“Tanza Variedades” de Ricardo Pais, por exemplo).

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Penso ter existido algum impacto, mais ou menos polémico, nas áreas dominantes das artes visuais, mas no campo específico da música as reacções resumiram-se, que o saiba, à curta contestação à minha presença em tal evento, sendo que fui considerado como apenas “um subproduto das vanguardas”... Talvez, afinal, a essência mesma do que pretendia a noção de pós-moderno: a não compartimentação elitista e erudita segundo cânones estéticos ou estruturas formais, o não respeitar de separações de estilos, de estéticas ou de percursos históricos.

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O “Por cima o silêncio” foi uma apresentação de meios reduzidos, sem quaisquer preocupações de enquadramento no meio cultural local. O título fazia referência – irónica ou perversamente – ao perturbante silêncio que (felizmente apenas) se presume existir depois de um holocausto nuclear. Não pretendia ser um título explicativo de processos ou discursos. Talvez antes uma provocação em que, musicalmente, o silêncio seria uma ausência (presença e ausência de John Cage?...), esmagado por variadas formas e células de repetição descontínua, em que se acumulavam leituras fragmentadas de “fait divers” recolhidos da imprensa diária, elementos electrónicos, processamentos primários e toda uma série de materiais mais ou menos disfuncionais, em colagens sobrepostas de forma a excluirem-se e perderem as suas referências iniciais.

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Nunca me preocupei com catalogação de estilos. Tendo começado muito cedo nas exclusivistas músicas clássicas / eruditas, quando as abandonei na adolescência – depois de “descobrir” Cage, o “rock”, o “jazz” e as diferentes etnias – foi com entusiasmo que me entreguei a todo o tipo de “misturas” e “incoerências”, de imediato desprezadas pelos eruditos especialistas de qualquer dos idiomas. Terei sido um “pós-moderno” sem o saber, na minha entusiasmada ignorância de tendências e modas?

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Considero que a música composta para o espectáculo de teatro “Ninguém - Frei Luiz de Sousa”, com encenação de Ricardo Pais em 1978, teria já elementos muito mais disruptivos e tendentes a eventuais definições de pós-modernismo do que a que tive oportunidade de apresentar no “Por cima o silêncio”. Por ser música de / para teatro não descritiva / ilustrativa. Porque era interventiva e não de fundo moldado às circunstâncias. Porque confrontava estéticas distintas, se eventualmente alguma vez conciliáveis. Nela se encontravam, em tempo real, um incaracterístico quarteto de sopros (clarinete, fagote, trombone, trompa), violino e guitarra portuguesa processados, e um sintetizador modular (primeiro no nosso país).

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Ainda com Ricardo Pais, em 1980, também as breves realizações denominadas “Cómicos’ Concertos” tiveram a ironia, a não preocupação com a unidade estrutural ou formal, a contradição, a utilização da tecnologia como parte integrante da essência musical, a descontinuidade e a fragmentação, a reciclagem de múltiplas perspectivas e o despretensiosismo como características predominantes, afinal as teóricas bases do pós-modernismo na música.