28.3.08

EXPOSIÇÃO-DIÁLOGO



Do Arquivo

A secção que com este texto inauguramos tem um objectivo simples mas ambicioso. Mesmo enquadrado nas páginas que a L+arte reserva para focar a actualidade artística, para antecipar movimentos futuros e para lançar debates sobre ambos, o “Arquivo” será um lugar vocacionado para o estabelecimento de olhares retrospectivos. O seu propósito é o de fornecer ao leitor o maior número possível de informações sobre eventos, exposições, ou personalidades que de alguma forma podem ser considerados como importantes no decurso da história recente das artes visuais no nosso país. A sua ambição é a de que, nos momentos mais conseguidos, este se transforme num espaço onde se revê e relê o passado, e onde se recuperam memórias que possam ajudar não apenas a compreender mas também a repensar o presente.

No sentido de maximizar o espaço disponível para esta nova secção, decidimos alargar a presença da L+arte ao espaço virtual e fundámos o blog arquivolarte.blogspot.com onde será possível aceder a alguns dos materiais que estiveram na base destes artigos, ou outros que os complementam mas que não encontram lugar nas versões impressas.

Naturalmente, as peças que aqui apresentaremos estarão marcadas por, pelo menos, duas grandes condicionantes: por um lado, a escolha das matérias a abordar estará inevitavelmente ligada aos interesses, ao conhecimento e ao juízo daqueles que ao longo do tempo vierem a assegurar estes conteúdos; por outro lado, não é difícil adivinhar que muito há ainda a fazer no campo da historiografia artística portuguesa, e que a escassez e a dispersão de meios disponíveis para analisar estes eventos se afigura como uma das grandes ameaças à feliz concretização da tarefa a que nos propomos.

Escusado seria dizer que pese embora a nossa vontade de trazer o mais completo retrato dos diversos assuntos aqui tratados, estes artigos serão sempre mais um meio que um fim em si mesmos, e a sua eventual virtude estará sempre na capacidade que terão para originar outras investigações e estimular outras reflexões, mais prolongadas, mais profundas e mais completas.

Na estreia deste Arquivo, espreitemos então a Exposição-Diálogo sobre arte contemporânea, e tentemos aferir o impacto deste mega-evento sobre o tecido artístico do nosso país, à luz destas quase duas décadas e meia passadas.

Do CAM no horizonte da Europa
A criação do Centro de Arte Moderna da Fundação Calouste Gulbenkian foi indiscutivelmente um dos acontecimentos culturais da década de 1980 em Portugal. Quando em 1983 o CAM abre as suas portas ao público, o país cultural permanecia refém de uma paupérrima oferta de espaços institucionais que dedicassem uma atenção sistemática ao fenómeno da (ainda) intitulada arte moderna. Cerca de uma década volvida sobre a queda do antigo regime, o país assistia ao compassado processo de redistribuição de oportunidades (e de visibilidade) para as diversas frentes da produção artística portuguesa. Da mesma forma, dava-se alguma continuidade ao dinamismo verificado nos anos imediatamente anteriores, particularmente no âmbito da organização de Encontros e da criação de Associações vocacionadas tanto para apresentação quanto para a reflexão em torno das questões artísticas contemporâneas (1).

Neste contexto, a construção do Centro de Arte Moderna era a iniciativa que permitia fundar em Portugal um espaço que acolhesse exposições e actividades dedicadas exclusiva e inequivocamente à contemporaneidade artística, e que vinha “colmatar uma grande lacuna a nível nacional – a inexistência de um Museu de Arte Moderna.”(2) E é exactamente nesta condição de Museu, e sob os auspícios da entrada de Portugal na CEE, em 1986, que o CAM aparece incluído no lote de instituições que aceitaram o desafio do Conselho da Europa para participar na primeira do que seria uma série de exposições/reflexões sobre arte contemporânea.


Do programa e da forma
Idealizado por René Berger no final dos anos 70, o programa das “Exposições-Diálogo” visava criar uma alternativa credível à imagem transviada da arte contemporânea que o público recebia por intermédio das feiras de arte (demasiado marcada pelas leis do mercado) e das grandes bienais (demasiado ligada aos “interesses e poderes”(3) daqueles que as promovem ou sustentam). Neste panorama, o museu de arte moderna era para Berger o lugar impoluto, ou pelo menos o mais equidistante de todas as pressões que se exerciam sobre o novo (e mais influente) posicionamento económico, político e social do objecto artístico da nossa era. Mas, mais do que no trabalho isolado de cada museu, seria no diálogo posto em cena por um conjunto de museus, no confronto entre as suas particulares políticas coleccionistas e diferentes programas expositivos, que Berger considerava estar “o meio eficaz e mais justo de dar a conhecer a actividade artística do nosso tempo, reflexo da nossa identidade cultural”(4).

A ideia que em 1981 entusiasmou o então director do CAM, José Sommer Ribeiro, e que encontrou correspondente recepção por parte do Conselho de Administração da Gulbenkian, passava concretamente pela organização de uma exposição que reunisse, por um período de dois a quatro meses, um conjunto de obras provenientes de entre sete a dez museus de arte moderna da Europa. Marcado à nascença pela lógica da itinerância, a implementação deste modelo supunha a sua reedição em anos subsequentes, com outros museus e outros artistas, e em diferentes países europeus. A selecção das obras a apresentar seria da responsabilidade de cada museu convidado -- dando-se preferência às obras adquiridas no âmbito das respectivas colecções -- e era sugerido que à exposição das obras propriamente ditas se juntasse uma outra, documental, que permitisse ao público conhecer os diferentes objectivos, meios e métodos de cada uma das instituições. Desta forma, confiava a organização, seria possível atingir o duplo objectivo de “expor conjuntamente obras de artistas de reputação internacional e de artistas menos conhecidos”, e de fomentar a discussão “sobre os critérios que devem presidir à aquisição e à selecção de novas obras de arte a serem expostas”(5).

Da resposta dos museus
O aparecimento de René Berger como figura tutelar destas exposições funcionava como uma espécie de caução sobre a sua qualidade e viabilidade. Com uma sólida e influente carreira que conheceu experiências tão diversas como a direcção do Musée des Beaux Arts de Lausanne, a presidência da Associação Internacional de Críticos de Arte ou a consultoria artística para o Zentrum für Kunst und Medientechnologie (ZKM Karlsruhe), não nos é difícil perceber que o programa de Berger estava marcado pela sua experiência tanto quanto pela energia utópica que impulsiona todos os grandes projectos.

Não encontrámos dados para tanto, mas teria sido interessante saber qual a reacção de Berger quando se apercebeu de que ao repto de diversidade, de diálogo e de debate que a sua proposta lançava, resolveram os museus convidados responder com a convicção de “não dever cada um de nós fazer o seu próprio retrato (à excepção de um retrato documental) mas esforçarmo-nos por mostrar uma apresentação comum”, desta forma provando cabalmente que “uma determinada categoria de museus europeus de Arte Moderna se mantém alerta perante os acontecimentos turbulentos que ocorrem na arte, tanto na Europa como nos Estados Unidos.”(6)

Da exposição, do percurso e das obras
Inaugurada com pompa e circunstância no dia 28 de Março de 1985, com a presença de altas figuras do Estado e da Igreja, a primeira (e única) “Exposição Diálogo” reuniu mais de 200 obras de 86 artistas, presentes nas colecções do Museum Moderner Kunst de Viena, do Stedelijk Museum voor Actuele Kunst de Gante, da Nationalgalerie Staatliche Museen Preuβischer Kulturbesitz de Berlim, da Galleria Nazionale d’Arte Moderna de Roma, do Museum Boijmans-van Beuningen de Roterdão, da Sonja Henie-Niels Onstad Foundations de Oslo, do Centro de Arte Moderna de Lisboa, e do Moderna Museet de Estocolmo.

Espraiando-se por quase todos os espaços disponíveis do CAM e da Sede, esta exposição pode dividir-se em três blocos distintos. Ocupando as galerias, onde actualmente se apresenta os “7 artistas ao 10º mês”, e o hall do pequeno auditório da Gulbenkian, estava a secção dedicada aos “Auto-retratos”, onde era possível conhecer, por intermédio de painéis, vídeos e material impresso, os diferentes programas e actividades dos museus participantes. Os dois restantes blocos tomavam a forma de apresentações medium-specific, sendo o CAM ocupado maioritariamente por peças de natureza tridimensional (embora houvesse excepções) e a grande galeria da Sede reservada exclusivamente para a pintura.

No CAM, a exposição começava logo no hall que serve a cafetaria onde fora instalada uma peça recente de Mario Merz (Les maisons tournent autour de nous ou nous tournons autour des maisons, 1979) cuja estrutura aberta era a única a explorar a generosa altura do CAM, não deixando de convidar o público a circular pelo seu interior e permitindo vislumbrar, já na sala que dá acesso à nave principal, a imponente Méta-Harmonie (1978) de Jean Tinguely. Inspirado pela sugestão desta complementaridade, seria com espanto que o visitante encontrava a principal sala do CAM posta ao serviço da apresentação de peças tridimensionais/escultóricas, função para a qual está estruturalmente vocacionada mas que conhecia pela primeira vez nos seus dois anos de existência. No interior, articulava-se o predicado espacial de peças de Sol LeWitt, Walter de Maria, Bruce Nauman, Richard Serra, Royden Rabinowitch ou Ulrich Ruckriem, com os exercícios pictóricos de Hanne Darboven ou Jannis Kounellis, ou explorações Pop de Lourdes Castro e Andy Warhol. Esta dinâmica era prolongada nas naves laterais onde se descobriam, no piso superior, obras de Carl Andre, Richard Long, Robert Rauschenberg, Pino Pascali, Ellsworth Kelly, Jasper Johns, Frank Stella ou Gilbert & George, e no piso inferior (porventura o mais exigente da exposição) peças de Nam June Paik, Bernd Lohaus, Giulio Paolini, Wolf Vostell, Marcel Broodthaers, Nikolaus Lang ou Anne Poirier, resultando o conjunto numa espécie de revisão de momentos importantes de uma parte significativa da arte dos anos 60 e 70.

Na sede, montadas sobre painéis que sincopadamente dividiam a grande galeria, apresentavam-se obras que permitiam mapear os desenvolvimentos da pintura ocidental nas três décadas que antecederam a exposição, ainda que não se vislumbre qual o raciocínio que presidiu à sua distribuição pelo espaço. De telas dos anos 50 de Jean Dubuffet (Route Nationale, 1956) a outras muito recentes de David Salle (The Greenish-brown Uniform, 1984), passando por peças de Cy Twombly, Gerhard Richter, Anselm Kiefer, Georg Baselitz, Sandro Chia ou Alberto Burri, cerca de 100 obras pareciam concorrer para suportar e demonstrar o então poderoso “regresso à pintura”. Era também aqui que se podia ver a maioria das peças que representavam o CAM neste evento, algumas adquiridas ad hoc nas galerias ou nos ateliers de Júlio Pomar, Paula Rego, Lourdes Castro, Costa Pinheiro, Ângelo de Sousa e Jorge Martins.
Por fim, num programa que decorria paralelamente à exposição, mas cuja importância se revelava central para as ambições de todo este projecto, realizou-se um conjunto de performances, concertos, happenings e espectáculos de teatro, que contou com a participação dos portugueses Lourdes Castro e Manuel Zimbro, Carlos Gordilho, Fernando Aguiar e do colectivo Oficina Musical e trouxe a Lisboa, entre outros, Marina Abramovic e Ulay, Ulrike Rosenbach, Stuart Brisley, a Companhia Jan Fabre, a música de Mauricio Kagel ou uma selecção de concertos Fluxus por Wolf Vostell.

Dos efeitos e da memória
Com naturais mas nem por isso profundas divergências, a crítica portuguesa da época foi unânime em reconhecer a importância deste evento, embora tenha manifestado grandes reservas quanto aos seus objectivos. A imprensa registava a formação de um consenso alargado sobre a impossibilidade de este formato revelar uma hipotética “identidade” artística europeia, sobretudo através de uma exposição que não contava com a participação de quaisquer museus espanhóis, franceses, ou ingleses, que ou recusaram o convite, ou não chegaram a ser convidados. Da mesma forma, eram questionados os critérios que pautaram a selecção das obras nacionais (que, de entre todas, era a menos numerosa e a mais restrita no que respeita à diversidade de meios), a presença maciça de artistas norte-americanos, bem como a eventualidade de construir uma sólida e consequente representação da arte contemporânea num evento cuja incidência da fotografia e do vídeo era, respectivamente, mínima e nula.

Um pouco à imagem do que escreveu na época, a leitura actual do crítico José Luís Porfírio reafirma a virtude desta exposição enquanto oportunidade ímpar para o contacto directo do público e de uma emergente geração de criadores com uma parte significativa da produção artística contemporânea. Na sua reavaliação, Porfírio reforça, porém, que o pretenso didactismo e a coexistência heteróclita de obras condicionaram largamente a coesão e o potencial poético desta experiência. Por seu lado, o curador João Silvério encara hoje esta exposição como um ponto de partida para eventos congéneres -- como os “Encontros Luso-Americanos” ou as “Jornadas de Arte Contemporânea” --, destacando a utilidade dos dados sobre os museus participantes, nos debates ulteriores sobre os modelos de gestão e as políticas culturais das instituições portuguesas. Ambos sublinham a natureza pioneira deste evento, numa altura em que a actualidade artística internacional raramente encontrava lugar no nosso país.

Contas feitas a este evento, parece claro que o único vencido neste projecto foi René Berger. Ficou sem resposta o seu repto ou teve a pior resposta possível. O seu programa estava evidentemente marcado por uma profunda apreensão relativamente às estratégias de promoção da arte e à política de captação de públicos que se desenvolviam desde meados da década de 70. Mais do que um expediente para suportar ou justificar a realização de outra megaexposição, o diálogo imaginado por Berger, numa altura em que testar a ideia de comunidade cultural europeia não era ainda um assunto acabado, devia ter sido resolvido no espaço concreto do encontro das obras. “Morreu na contramão atrapalhando o tráfego”.

Bruno Marchand


1 A título de exemplo refiram-se os Encontros de Arte Contemporânea, a sucessão de Alternativas, a fundação da Cooperativa Diferença ou a criação da Bienal de Cerveira e dos Encontros de Fotografia de Coimbra.
2 José Sommer Ribeiro, “Exposição-Diálogo”, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1985, p. 128.
3 René Berger, Ibidem. p. 22
4 Idem, ibidem, p.22
5 Idem, ibidem, p.15
6 W.A.L. Beeren, Ibidem, p. 34


Agradecimentos:
José Luís Porfírio e João Silvério
Centro de Arte Moderna / Fundação Calouste Gulbenkian
Dra. Ana Vasconcelos e Joana Henriques


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IMAGENS


Vista da galeria de exposições da sede da Fundação Calouste Gulbenkian com obras de Anselm Kiefer, Julian Schnabel, Ângelo de Sousa, Roger Raveel e Olle Kaks.


Vista da galeria de exposições da sede com obras de Sigmar Polke, Malcom Morley, Costa Pinheiro, Hubert Schmalix e Georg Baselitz.


Vista do piso 1 do CAM com obras de Ger van Elk, Pino Pascali, Jan Dibbets, Frank Stella, Ellsworth Kelly, Jasper Johns, Richard Long e Carl Andre.


Vista do piso 1 do CAM com obras de Bruce Nauman e Mario Merz.

Marcel Broodthaers, Miroir d’époque Regency, 1973


Vista do piso -1 do CAM com obras de Nikolaus Lang, Giulio Paolini, Marcel Broodthaers e Luciano Fabro.


Anne a. Patrick Poirier, L’incendie de la grande bibliothèque, 1975-77


Vista do hall de acesso do CAM com obras de Jean Tinguely e Lucio Fontana.


Joseph Beuys, Wirtschaftswerte, 1980


Vista do piso 1 do CAM com obras de Klaus Rinke, Ger van Elk, Pino Pascali, Jan Dibbets, Frank Stella, Ellsworth Kelly, Jasper Johns, Carl Andre, Pino Pascali e Robert Rauschenberg.

Fotografia:
Mário de Oliveira
Cortesia Centro de Arte Moderna
Fundação Calouste Gulbenkian

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FICHA TÉCNICA


Título:
Exposição-Diálogo sobre a Arte Contemporânea na Europa

Local:
Centro de Arte Moderna, Fundação Calouste Gulbenkian

Datas:
28.03 a 16.06 de 1985

Organização:
Conselho da Europa e Centro de Arte Moderna – Fundação Calouste Gulbenkian

Comissário Geral:
René Berger

Museus Participantes:
Museum Moderner Kunst, Viena, Áustria Stedelijk Museum voor Actuele Kunst, Gante, Bélgica Nationalgalerie Staatliche Museen Preuβischer Kulturbesitz, Berlim, Alemanha Galleria Nazionale d’Arte Moderna, Roma, Itália Museum Boijmans-van Beuningen, Roterdão, Holanda Sonja Henie-Niels Onstad Foundations, Hovikodden/Oslo, Noruega Centro de Arte Moderna, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, Portugal Moderna Museet, Estocolmo, Suécia.

Artistas:
Carl Andre, Georg Baselitz, Joseph Beuys, Mark Boyle, Bard Breivik, Marcel Broodthaers, Alberto Burri, Michael Buthe, Lourdes Castro, Sandro Chia, Heinz Cibulka, Francesco Clemente, Enzo Cucchi, Hanne Darboven, Jan Dibbets, Erik Dietman, Jean Dubuffet, Ger van Elk, Luciano Fabro, Oyvind Fahlstrom, Lucio Fontana, Franz Gertsch, Gilbert & George, Jan Groth, Keith Haring, Marianne Heske, Jasper Johns, Asger Jorn, Olle Kaks, Ellsworth Kelly, Anselm Kiefer, Edward Kienholz, Per Kirkeby, Yves Klein, Jannis Kounellis, Nikolaus Lang, Maria Lassnig, Sol LeWitt, Bernd Lohaus, Richard Long, Piero Manzoni, Walter de Maria, Jorge Martins, Fausto Melotti, Mario Merz, Malcom Morley, Bruce Nauman, Hermann Nitsch, Oswald Oberhuber, Claes Oldenburg, Nam June Paik, Mimmo Paladino, Panamarenko, Giulio Paolini, Pino Pascali, A. R. Penk, Costa Pinheiro, Anne a. Patrick Poirier, Sigmar Polke, Júlio Pomar, Royden Rabinowitch, Arnulf Rainer, Robert Rauschenberg, Roger Raveel Carsten Regild, Paula Rego, Gerhard Richter, Klaus Rinke, Ulrich Ruckriem, David Salle, Tom Sandberg, Hubert Schalix, Julian Schnabel, Rudolf Schwarzkogler, Richard Serra, Joel Shapiro, Pierre Soulages, Ângelo de Sousa, Frank Stella, Jean Tinguely, Cy Twombly, Emilio Vedova, Jan Vercruysse, Wolf Vostell, Franz Erhard Walther, Andy Warhol, Jakob Weidemann.

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PROGRAMA PARALELO


Lourdes Castro e Manuel Zimbro
“Linha de Horizonte” 26, 27 e 28 de Março Sala Polivalente – CAM
sobre este autor/obra


Maurício Kagel
“Acústica” Para fontes sonoras e experimentais alto-falantes
Maurício Kagel Por: Christoph Caskel, Maurício Kagel, Theodor Ross, Manos Tsangaris. Dirigido por: Maurício Kagel 29 Março Sala Polivalente – CAM
“Orwell” Por: Maurício Kagel 29 Março Sala Polivalente - CAM
sobre este autor/obra


Companhia Jan Fabre
“O Poder da Loucura Teatral” 30 Março e 1 Abril Grande Auditório
sobre este autor/obra


Wolf Vostell
Concerto Fluxus: "Kleenex" "New York Times" "Fandango" "Homenagem a F. Garcia Lorca" "Joana a Louca (Homenagem)" "A Sibéria da Estremadura" "Os Nus e os Mortos (Extracto)” 13 Abril Sala Polivalente – CAM
“Jardim das Delicias" (Fluxus Opera) 13 Abril Sala Polivalente – CAM
sobre este autor/obra


Companhia Jack Helen Brut
“Revelação” e “Light Copy” 19 Abril Sala Polivalente - CAM
“Jack Helen Brut é um grupo experimental constituído por artistas do campo das artes plásticas. O grupo estuda e combina as expressões e meios das diferentes formas de arte, dando especial ênfase à arte pictórica. O objectivo não é a expressão dramática mas a criação de um todo visual em que o tempo, o espaço e o movimento são essenciais [...]
O grupo trabalha com cor e luz, elementos cénicos móveis, imagens projectadas e vestes de características conceptuais. Activo desde 1981.” [no catálogo da exposição]


Carlos Gordilho
“Desencanto do dia claro” e “Interior Maldito” 26 Abril Sala Polivalente – CAM
Carlos Gordilho nasceu e Moura em 1955. Depois de trabalhar na área da publicidade e da produção gráfica frequentou a SNBA e, em 1982, fundou o grupo de artes visuais NOVOSELVAGEM. [no catálogo da exposição]


Stuart Brisley e Janet Anderson
“Em Direcção à Zona Intermédia” 3 Maio Sala Polivalente – CAM
Stuart Brisley nasceu em Inglaterra em 1933. Entre outras, estudou na Guildford School of Art e no Royal College of Art. Foi membro fundador da Artists Information Registry e do Artists Union. Activo desde meados da década de 1960 distinguiu-se pelo seu trabalho no campo da performance, embora a sua produção abarque meios tão distintos como a pintura, o desenho ou o vídeo. Foi professor no Media Fine Art Graduate Studies da Slade School of Art. [no catálogo da exposição]


Fernando Aguiar
“Para uma interacção da escrita” 11 Maio Sala Polivalente
Fernando Aguiar nasceu em 1956 em Lisboa. Licenciado em Design de Comunicação pela ESBAL. Escritor desde 1974. Colaborou com as revistas Sema (nºs 2 e 4) e na Arteopinião (nº 12). A partir de 1983 desenvolve performances e, em 84, é co-organizador (com Silvestre Pestana) do livro “Poemografia, Perspectivas da Poesia Visual Portuguesa”. [no catálogo da exposição]


As Percussões de Estrasburgo
“Rotativos” de Giacinto Scelsi
“Sonata para 2 Pianos e Percussão” de Bela Bartok
“Ionização” de E. Varese
“Área”, de F. B. Mache
“Hierophonie” de Y. Taira
18 Maio Grande Auditório
“As Percussões de Estrasburgo nasceu no princípio dos anos 60 em Estrasburgo. A ideia era fundar um grupo de música de câmara com instrumentos de percussão.
[...] O seu objectivo principal foi o de dar aos instrumentistas de percussão de todas as músicas [...] o seu total significado moderno, apresentando, através da linguagem musical contemporânea, em repertório concebido exclusivamente para eles e fundado na criação de música viva.” [no catálogo da exposição]


Marina Abramovic / Ulay
“Nightsea Crossing” 31 Maio e 1 Junho
sobre este autor/obra


Ulrike Rosenbach
“A Rapariga Continua a Crescer” 7 e 8 Junho Sala Polivalente – CAM
sobre este autor/obra


Teatro de la Claca
“Acções de Rua” 10 Junho
“Festa” 11 e 12 Junho Anfiteatro de Ar Livre
“Antologia” 13 e 14 Junho Anfiteatro de Ar Livre
“Labirinto” 15 e 16 Junho Anfiteatro de Ar Livre
“Constituído na Catalunha em 1968, o Teatro de la Claca utiliza técnicas oriundas do teatro de fantoches e marionetas [...] Muito embora o seu trabalho se tenha centrado na actividade com fantoches [...] hoje em dia está fundamentalmente orientado no sentido de uma mais ampla consideração do trabalho artístico.” [no catálogo da exposição]

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BLOCO DE NOTAS


CATÁLOGO

José Sommer Ribeiro
Prefácio
“A identidade cultural forma-se hoje em dia na diversidade e na mutação, e uma vez que os artistas são os reveladores mais sensíveis da transformação em curso, surgiu a ideia de reavaliar a noção de identidade cultural europeia, tal como esta se reflecte nas obras de arte e tal como os Museus a transmitem ao público.” 14

“O conceito da Exposição-Diálogo decorre, pois, da necessidade de estabelecer uma comparação entre museus, que permita ilustrar, perante o grande público, a natureza da Arte Moderna, tal qual esta resulta das aquisições recentes dos grandes museus de Arte Contemporânea; estudar os motivos que presidem a estas aquisições e os processos através dos quais os artistas adquirem reputação nacional e internacional; informar e educar o público interessado, através de documentos e discussões que refiram as tendências e as políticas dos Estados e dos Museus em matéria de Arte Moderna; expor conjuntamente obras de artistas de reputação internacional e de artistas menos conhecidos, num contexto que permita efectuar comparações informais; fomentar, por meio de colóquios e documentação, a troca de ideias sobre os critérios que devem presidir à aquisição e à selecção das novas obras de Arte a serem expostas. Enfim, procurar definir a nossa identidade cultural.” 15


René Berger
Exposição-Diálogo sobre a Arte Contemporânea na Europa.
“A cotação [das obras de arte] funciona como padrão de medida, embora ambíguo, já que nele se conjuga ao mesmo tempo a qualidade, a notoriedade e o coeficiente da oferta e da procura; contudo a qualidade não acompanha necessariamente os outros dois factores, assim como também não os exclui.” 20

“[As discrepâncias entre as estruturas e fins das diversas instituições] não afectam a função básica ou o objectivo das instituições, impondo contudo graves restrições em questões como a da escolha de artistas - a tal ponto que a informação sobre arte moderna, e consequentemente a imagem da arte moderna transmitida ao público, depende grandemente dos recursos financeiros.” 21

“Daqui se pode concluir que os museus de arte moderna, no sentido lato acima descrito, constituem conjuntamente com as galerias, os ‘marchands’, os coleccionadores, os críticos e os meios de informação, a rede complexa através da qual se vai formando a imagem da nossa identidade cultural em evolução.” 21

“De facto, está ainda por implementar o meio eficaz e mais justo de dar a conhecer a actividade artística do nosso tempo, reflexo da nossa identidade cultural e o qual consiste na - é o resultado da nossa pesquisa - confrontação periódica dos museus de arte moderna.” 22

“[O objectivo] será o de fazer regularmente o ponto da criação artística contemporânea, a fim de revelar as diversas facetas da nossa identidade à medida que dela vão surgindo.” 22


W.A.L. Beeren
Introdução
“Diálogo, no sentido que lhe emprestamos, deve ser considerado como a colocação duma obra de arte dentro da nossa linguagem de intercâmbios, e a reacção multifacetada que ela em nós ocasiona, em enlevo, devoção e êxtase.” 32

” A arte moderna tornou-se um dado aceite que, mesmo do ponto de vista financeiro, pode representar imensos valores. Isso poderá significar o desaparecimento dos atritos entre a sociedade e a arte moderna. Provavelmente, porém, com a consequência de que a arte moderna alcançará o status de outras artes mais históricas, e que o seu ambiente, uma vez normalizado, passará a ser o dum espaço grave, prestigioso e confortável.” 33

“Na minha opinião estes museus possuem algo de uma segunda geração, e a maioria deles acha-se a caminho de uma identidade adulta.” 33

”Se bem que cada um de nós se sinta naturalmente vinculado aos valores da sua própria colecção, achamos, em relação ao convite que nos foi feito pelo Conselho da Europa, não dever cada um de nós fazer o seu próprio retrato (à excepção de um retrato documental) mas esforçarmo-nos por apresentar uma apresentação comum. Essa apresentação deve testemunhar do facto que uma determinada categoria de museus europeus de Arte Moderna se mantém alerta perante os acontecimentos turbulentos que ocorrem na arte, tanto na Europa como nos Estados Unidos.” 34

“Esta realização conjunta leva a que se perca algo da nossa actividade pessoal. Todavia, dentro do escopo europeu da exposição, cremos ser interessante o poder provar que a política cultural das várias cidades e países teve como resultado que a Europa, considerada como zona cultural, se tenha também tornado interessante para a arte moderna.” 34


José Sommer Ribeiro
Retrato: Centro de Arte Moderna, Fundação Calouste Gulbenkian
“No que concerne às actividades ligadas às artes plásticas, procurou-se exercer uma acção quer junto do público, quer junto dos artistas. Para aquele, organizando exposições, palestras, cursos e editando livros de arte; a estes concedendo-lhes bolsas de estudo e subsídios de viagem e de atelier e ainda adquirindo obras.” 123

“Em Dezembro de 1957 a Fundação inaugura na Sociedade Nacional de Belas-Artes a sua 1ª Exposição de Artes Plásticas, que muito contribuiu para alterar o meio artístico português.” 123

“Em Maio de 1984 foi criado o Serviço de Animação, Criação Artística e Educação pela Arte (ACARTE), ao qual foram reservadas as actividades relativas ao teatro, à música e à poesia.” 125

“Das colecções estrangeiras do Centro, destacam-se as obras dos artistas que mais influenciaram os nossos escultores e pintores, tais como Sonia e Robert Delaunay, Candido Portinari, Vieira da Silva, Arpad Szenes e Torres Garcia.
Outro núcleo muito importante é a colecção de obras de arte contemporânea adquirida pelo British Council para a Fundação Calouste Gulbenkian [...]” 127

“Este Centro de Arte Moderna tem procurado, em estreita colaboração com o ACARTE, cumprir com as finalidades para que foi criado, e veio colmatar uma grande lacuna a nível nacional - a inexistência de um Museu de Arte Moderna.” 128


PROGRAMA PARALELO


Textos introdutórios

Jan Hoet
“[...] a solid kind of good-fellowship has come about between the artist and the museum, to such an extent that the museum no longer favours security but that it unevocally prefers adventure.”

“In order to demonstrate all the better that museums choose to take up an intermediary position, it was generally felt as a necessity to extent the boundaries of this exhibition with a series of performances.”

“Some phenomena intrinsically related to the work of art, such as the physical and mental conditions of the artist, his powers of concentration and his education, the gesturial power and the share or accident, are visualized during performance.”

“The vividness of the dialogue between [the non-maker] and the creator becomes tangible and audible and takes place simultaneously with the integral growing process of the work of art.”


“Para lá das galerias de exposição”
Maria Madalena de Azeredo Perdigão
“A performance está ligada à noção de tempo. Ela dura, embora não perdure.”

[A inclusão destas performances no programa da exposição] “Não se trata de um acaso mas de um propósito de alargar o âmbito da Exposição que se pretende venha a suscitar um amplo debate sobre a arte contemporânea.
O mesmo propósito levou à organização de vários colóquios e mesas-redondas em que tudo é posto em questão, desde as ‘performances’ à própria Exposição-Diálogo.”


“Artes-da-acção ou Performances (performing) arts”
Ernesto de Sousa
“Na década de 50/60 tomava-se consciência plena da ambiguidade que caracterizava a definição de uma fronteira entre o que seja considerado como ‘arte’ e a própria vida. [Vários agentes artísticos] procuraram a participação daqueles que até então se tinham limitado a ser aparentemente meros espectadores. Foi a época dos happenings, actions, events, installations...; assemblages, environments, etc.”

“A noção base, aquela que ainda hoje é de extrema actualidade, é a de participação.”

“À crise de confiança que [nos anos 60] os operadores sentiram relativamente às várias modalidades de participação pública, a resposta consistiu num voltar de página aos processos da catarse espectacular. [...] Os artistas fizeram face a essa crise de uma maneira bem clara: dando o corpo. Por vezes até à crueldade, por vezes enveredando por uma via agudamente conceptual.”

“Mas, para inventar um futuro não há outra saída: o futuro só pode ser ‘performado’.”

“A imagem interior ou a respectiva escrita (ou a inscrição no espaço), o imaginário e ainda todos os sonhos... são simultânea e contraditoriamente a sombra do Verbo e a indicação do Lugar mesmo que este seja desértico, dilacerado e nocturno, no agora e aqui que apenas somos, criados ou criadores, artistas ou amadores. (Contraditoriamente, porque de facto somos o que o somos apenas na resposta do Outro, na distância, no futuro ou no passado, absolutamente ausentes.)
Arte e não-arte. Arte e vida. Participação. Autor, actor, espectador. Obra de arte e acto estético. Toda estas categorias - sabemos isso depois dos modernismos todos e depois dos depois-dos-modernismos - pertencem ao mesmo sistema de vasos comunicantes.”


“Performance: a Essência dos Sentidos”
Fernando Aguiar
“[...] mais do que arte de acção, a performance é a arte da interacção. [...] As transformações de todo este processo evolutivo tornam rapidamente ultrapassado o objecto de arte que não se pode alterar a si próprio. Este é apenas motivo de contemplação, porque imutável, perpétuo, mítico... enfim, acabado.”

“[...] o artista deixa de ser, também, o criador contemplativo da própria obra, para passar a viver a arte que cria, e a criar uma arte que vive.”

“Quando se considera a performance como ‘arte viva’ está-se a referir, não só, toda uma dinâmica inerente à intervenção, mas também ao facto dessa dinâmica ser criada e exercida por um corpo que respira, que (se) mexe e que faz mover tudo à sua volta.”

“Enquanto que um objecto artístico, quer seja pintura, escultura, ou qualquer outro, só é considerado ‘obra de arte’ depois de concluído, na performance, o valor artístico resulta apenas enquanto em realização.”

“Ao contrário de uma estética do estático, a performance, como estética da interacção, permite o emprego simultâneo e integrado de uma multiplicidade de recursos, criando entre si uma dinâmica que potencializa em cada um as suas próprias capacidades expressivas.”

“Ao contrário das outras ‘artes plásticas’ e da arte que tem como suporte os diversos media, a performance não é unidireccional, isto é, não veicula a sua mensagem apenas num sentido. O público ao reagir aos estímulos do artista, está a entrar em diálogo com ele e, por essa razão, a mensagem processa-se nos dois sentidos.”


IMPRENSA

Diário de Lisboa / Folhetim Artístico
“Diálogos e Monólogos em Lisboa”
Terça-feira, 16 de Abril de 1985, p. 3
José-Augusto França

“[...] aqui importa apenas analisar o sistema da própria exposição, inventariando coincidências, repetições, acumulações, opções nacionais ou internacionais - e logo apontando que a generosidade europeia cobriu largamente o território americano, mostrando dezassete artistas seus, de um modo que, muito provavelmente, um hipotético Conselho da América não faria, em exposição que patronasse...”

“Olhando as escolhas feitas, mais ainda que as próprias histórias contadas, ficamos sabendo como cada um dos oito museus é, quer e pode ser. Sete em diálogo, pela Europa fora, um em monólogo, em Lisboa. Este monólogo foi considerado pelo Centro de Arte Moderna, em resposta a uma observação, como ‘mais conveniente ao momento’.”

“E que um diálogo, mais no sentido da exposição poderia ter sido garantido pela apresentação de algumas, mesmo poucas, das notáveis obras inglesas do período ‘pop’ de 1960-65 que constituem parte importantíssima do acervo do CAM e que, não havendo museus ingleses em liça, fazem grande falta ao panorama dialogal pretendido.”

“E o critério nacionalista adoptado unilateralmente pelo CAM fez também com que, por exemplo, e numa espécie de limite absurdo, uma Vieira da Silva tivesse ficado ausente da exposição - em que certamente faz falta, até por ser da chamada ‘Escola de Paris’ que, com a mínima seriedade histórica, não pode ficar, como ficou, reduzida a menos de 5% dum conjunto internacional.”


Jornal de Letras Artes e Ideias / Artes
“Diálogos: Concerto-Video-Happening / Vostell-Nitsch-Vostell”
Jorge Lima Barreto

“Aqui, na obra ‘Concerto Fluxus’ Vostell interpreta essas criações de 60. O que foi polémico foi ter sido acusado de retrospectivo, saudosista, redundante por uma ala de apreciadores e admirado por outros que não conheciam nada sobre Fluxus.”

“Foi vista a obra de Hermann Nitsch ‘Origien Mysterian’ (OM)... Para este acontecimento, Nitsch comprou um palácio na Áustria e organizou um grupo de performance que trabalhou durante seis dias [...] Hermann expõe peças de carne de animais abatidos e, em cruz estão quatro corpos de homens cobertos por lençóis brancos. A princípio os performers auxiliares apresentam um aspecto anti-séptico, com batas brancas, e Nitsch, face rosada e gorda muito germânica, dirige uma orquestra minimal.
Subitamente inicia-se a carnagem: as cores são as de um quadro de Bacon. Sexos, bofes, intestinos, baldes e copos de sangue; uma liturgia estudada que prossegue num ‘sangrando um ninho de cucos’. Qualquer coisa de demencial, sanguinolento, mas simultaneamente belo... Vimos corpos goiescos crucificados, ventres rasgados, bocas que bebem sangue, sodomias em carne viva (se metáforas) - e o ritual elevou perante nós uma loucura ascensional que termina num carnaval de sangue.”

“O ‘Jardim das Delícias’ foi um happening em toda a acção da palavra. Relate-se o cenário: o CAM, a sala polivalente da qual foram removidas as bancadas: longas mesas cobertas de linho, galheteiros, pimenteiros, saleiros e fresquíssimas alfaces. Obscuridade. Ruídos-música simulando o sensarround, agressivam incómoda. Reacções possíveis de público:
Almanha Ocidental: Voltekl aparecia na missão de sumo-sacerdote e instituía um ritual ‘verde’. Todos provariam um pouco de alface temperada pelo próprio Vostell até um estado colectivo de êxtase. [...] Em Portugal: concretamente em Lisboa no dia 12 de Abril de 1985: o público, na obscuridade, inicia uma guerra de alfaces, vira as mesas, espalha o sal no ar, rebenta os galheteiros no chão. Vostell foi ignorado pelo público e o seu discurso final foi desculpa de mau pagador.”


Revista do Expresso / Actual / Arte
“Exposição Diálogo: Pré-visão”
Sábado, 30 de Março de 1985, p. 37
José Luís Porfírio

“A ideia inicial terá sido a de confrontar diversas maneiras de encarar, seleccionar, valorizar e mostrar a produção artística dos nossos dias. Tal ideia, neste primeiro ensaio, passou para uma colaboração entre vários museus para ‘revelar as principais tendências da arte contemporânea’. Condicionantes de espaço terão ditado esta segunda opção que afinal também se revela útil num ambiente e para um público afinal relativamente impreparado no contacto directo com algumas das manifestações artísticas dos últimos trinta anos.”

“A aposta do Centro (CAM) está de acordo com a limitação internacional das suas colecções, quase o forçando a uma participação exclusivamente portuguesa, o que, de um ponto de vista local, é interessante pelo confronto que vai permitir e que é raro entre nós. [...] Por outro lado, o CAM aposta quase exclusivamente em pintura de cavalete, o que também tem a ver penso, com as actuais limitações (graves) da sua colecção e reduz forçosamente a amplitude de um confronto que poderia ser muito mais salutar se tivesse apostado noutros suportes.”

“Nem percurso nem antologia, antes simples soma, não pensada unitariamente, mas organizada unitariamente, esta exposição, pelas obras que traz, pelos confrontos que propicia, pelas dúvidas que não vai deixar de levantar, aparece-nos em Lisboa, em Portugal, neste ano da Graça de 1985 como uma OCASIÃO ÚNICA!”


Revista do Expresso / Actual / Arte
“Oito museus menos um”
Sábado, 30 de Março de 1985, p. 38
Alexandre Pomar

“[...] o mais vasto conjunto de obras de arte recentes que por cá jamais se pôde ver.”

“A mais que nunca intensa circulação internacional de influências e pessoas entre as principais galerias, a crítica, as grandes Bienais e as direcções de museus condicionarão, no entanto, a eficácia da iniciativa; e o desinteresse ou impossibilidade de participação da Tate Gallery e do Centro Pompidou diminuíram desde logo o alcance desta primeira experiência.”

“[...] deverá ser uma possibilidade de debate sobre a museologia actual - mesmo se a penúria nacional parece tornar inútil tal tema. A articulação entre os vectores distintos que são a animação e a colecção, as opções entre políticas de compras que privilegiam a produção contemporânea ou a representação por amostragem de toda a evolução anterior, a transparência dos critérios de selecção, o trabalho prospectivo de novas tendências e criadores ou o refúgio num cauteloso recuo para ‘fazer’ a história são questões em aberto que podem ter incidência interna.”

“Com o carácter de instituição particular, isolada, sem concorrência e à margem de debates, dividida entre a beneficência e a intervenção cultural, a Fundação Gulbenkian faz o que quer e pode, mas faz pouco, como se vê no confronto com os museus que agora acolhe.”

“[...] no caso da representação portuguesa esta exposição de museus e de obras contemporâneas pode proporcionar um princípio de clarificação ou sedimentação de informações sobre os criadores que dominam a segunda metade do século, face a uma anterior exposição permanente do CAM que até agora as impediam. Quanto às participações internacionais, trata-se de uma oportunidade excepcional, mesmo se com lacunas e com presenças menos justificadas, de indispensável actualização.”


Expresso / Actual / Cultura
“O tempo de ver”
Sexta-feira, 5 de Abril de 1985, p. 28
Alexandre Pomar

“[...] raros percursos criativos testemunham uma tão grande coerência interna como o de Lourdes de Castro. [...] Não é no entanto a permanência de uma inspiração que importa sublinhar a propósito de ‘Linha do Horizonte’, estreado em Lisboa a abrir o programa de acções complementares da ‘Exposição-Diálogo’, mas o efeito próprio dessa forma particular de ‘performance’ que, como as suas homólogas, inscreve o corpo e a acção do artista num objecto efémero, que retoma uma prática infantil e uma arte oriental de ‘teatro de sombras’, além de aprofundar a direcção particular da criação visual de Lourdes Castro”

“Nessa diversidade [dos produtos em circulação] se inscreve tanto uma obra como a de Jan Fabre que explicitamente refere as que lhe servem de necessário fundamento, como a de Lourdes Castro onde são as imagens e um quotidiano familiar e não as de um universo cultural que constroem o discurso. Diria, aliás, que o colocar-se como presente e não justificar-se como história se configura como manifestação de uma diferença particularmente sugestiva.”

“Uma linha é horizonte, é corrimão ou cana de pesca, é parede, moldura, eixo onde se definem planos de luz e de cor. Ou uma figura [...] repete actos tão usuais como subir uma escada, desfolhar um livro (de imagens), comer, dançar, dormir, entrar em casa, etc. Actos mínimos, recolhidos e não representados - e ao contrário da tradição do ‘happening’ não desmontados ou denunciados mas ilusoriamente preservados para um efémero momento repetível.”

“Conquista-se assim uma dignidade plena do ver (como noutros retornos ao suporte bidimensional do quadro), num percurso pela acção. Visão em acto, portanto já não marcada por qualquer fatal transgressão que práticas de crueldade antes encenaram. Apenas ver, sem mácula e sem medo.”


Expresso / Actual / Cultura
“A vanguarda e depois...”
Sexta-feira, 5 de Abril de 1985, pp. 28 e 29
Augusto M. Seabra

“[...] na Sala Polivalente do Centro de Arte Moderna ou no Grande Auditório, se viu e ouviu ‘Acústica’ e ‘Depois de uma Leitura de Orwell’ de Mauricio kagel e ‘O Poder da Loucura Teatral’ de Jan Fabre.
Foram momentos notáveis de teatro musical: um deles, o de Fabre, foi mesmo [...] o mais prodigiosos espectáculo cénico [...] visto em Lisboa nos últimos anos.”

“Por um lado, manifestações que prosseguem a hipótese de uma vanguarda - e o concerto e a ópera Fluxus de Vostell serão exemplo imediato; por outro lado, manifestações que, podendo ainda apresentar-se na descendência de vanguardas, operam sobre restos de tradições como formantes de objectos específicos - e é, com todas as suas diferenças, o elemento de aproximação (não de união) entre Kagel e Fabre.
A questão talvez seja simplesmente esta: as performances foram também [...] uma tentativa de justificação estética da mais confrangedora indigência, diluindo a acção corporal e o sei envolvimento plástico-cénico na mais completa banalização do quotidiano. Pelo contrário, propostas como as de Kagel ou Fabre conduzem a uma nova cena resolutamente teatral [...]”

“A produção de Mauricio Kagel é das que com maior importância sinalizam uma transformação da ‘vanguarda’. até pelo facto de ter sido uma das mais liminarmente associadas a essa mesma noção. [...] Mas Kagel foi - é - sobretudo o autor que, em oposição à ópera tradicional, desenvolveu uma outra forma cénico-musical: o teatro instrumental, sublinhando, colocando em evidência, o trabalho corporal do instrumentista ou do cantor, a potencial teatralidade do seu gesto, ao mesmo tempo que recorreu aos mais diferentes objectos como fontes sonoras ou que trabalhou de forma nova os instrumentos tradicionais.”

“Tudo pode ser música.”

“O que a tónica no vanguardismo não terá deixado compreender é justamente a produtividade da forma como Kagel trabalha diversos restos culturais, incluindo mesmo os da tradição clássica.”

“’Depois de uma Leitura de Orwell’ (título alusivo a ‘Depois de uma Leitura de Dante’ de Listz), obra muito recente, inscreve-se na vertente dos trabalhos radiofónicos de Kagel.”

“Tendo como modelo o ‘newspeak’ de’1984’, as frases alemãs são ‘distorcidas’: a alegoria não reside na semântica mas sim a construção sonora, repetitiva, quase insuportável, ou no desvario sonoro correspondente às rituais ‘transmissões de ódios’.”

“Se a obra de Kagel, no seu conjunto, estabelece uma ponte possível entre um experimentalismo vanguardista e a releitura transvanguardista dos restos de tradições, ‘O Poder da Loucura Tearal’ parte de um trabalho corporal limite (vanguardista?) para operar sobre elementos e referências tradicionais.
É uma maximização de minimalismos. A repetição incessante dos mesmos gestos (em grandes blocos-secções) cria um tempo dilatado (ou a noção racional do tempo, hipotética), em que, de forma mínima, por sobre a repetição, surge a diferença. Bob Wilson, então?”

De Wagner (também de Wagner) se trata de facto, nesta maximização. [...] Obra de arte total então? Não num sentido totalizante; o que se expõe em ‘O Poder da Loucura Teatral’ são diversos restos, decompostos e sobrepostos.”

“São razões do excesso, jogos dos possíveis e dos simulacros, reinos da lógica apaixonada e da metamorfose das imagens. Razão barroca? Talvez, se na linha do recentíssimo e surpreendente ‘La Raison Baroque’ de Christine Buci-Gluksman, de Baudelaire a Benjamin, passando pela figura de Salomé, se entender que a razão barroca ‘com a sua teatralização do existente, a sua lógica de ambivalência, não é apenas uma razão outra interna à modernidade, é antes de mais a razão do outro, do seu excesso e do seu extravasar’ - um ‘laboratório do pós-moderno’.”


Expresso / Actual / Cultura
“Teatro da escrita com o rigor da música”
Sexta-feira, 5 de Abril de 1985, p. 29
José Ribeiro da Fonte

“[...] estava longe de imaginar que o espectáculo (’O Poder da Loucura Teatral’) iria ser um ininterrupto de quatro horas e meia, em que suscitar a nossa ‘Vontade de Ver’ se tornaria num hábito da mais cruel volúpia.”

“Porque é aí que está a natureza desta performance/instalação de Jan Fabre - ser músico-teatro na mais wagneriana acepção do termo: toda a acção dramática subentende ou é subentendida por uma acção musical, no ponto preciso em que ambas se tornam mutuamente imprescindíveis.”

“A começar na música original de Wim Mertens / Soft Veredict, passando pela concepção-direcção-luz-cenários-cenografia de jan Fabre, e apesar da aparente exuberância dos exemplos mencionados, ‘O Poder da Loucura Teatral’ é um espectáculo da mais parcimoniosa sobriedade: só ela poderia produzir o seu Excesso, excesso esse que é o próprio Espectáculo, espectáculo esse que é um exercício puro do Poder da Loucura Teatral.”

“O público lisboeta, pouco habituado a minimalismos, bocejou e abandonou entediado a sala. Os que ficaram, aplaudiram de pé! Porque viram em Lisboa um espectáculo com um rigor e uma qualidade que é raro ver em qualquer sítio do Mundo.”


O Tempo
“A liberdade criadora e os novos artistas”
Sexta-feira, 2 de Agosto de 1985
Mário de Oliveira

“O excesso de possibilidades da arte actual - com essa repetição e formas, manchas e traços que nada têm de original - e os seus múltiplos caminhos, em que apenas os verdadeiros artistas se integram em luz silenciosa, e que fazem esforços para encontrarem a essência da subsistência de cada personalidade criadora, está a desencadear uma enorme crise de autêntica criatividade artística.”

“A arte actual está em profunda crise de criatividade [...] porque falta precisamente a vocação existencial que é substituída pela vocação profissional dos interesses das galerias, dos museus, e dos grupos de publicidade.”

“As eleições desses artistas nada têm que ver com a verdade democrática da eleição mas sim com a vontade própria do ditador que elege os seus artistas preferidos.”

“Para confirmar essa verdade, recordem a representação portuguesa da exposição recente do Conselho da Europa, que é bem elucidativa do que digo.”

“É certo que esta exposição [...] estava longe, bem longe, de ser uma boa exposição de arte. [...] Foi apenas uma exposição dos vários interesses criados que existem neste mundo - por vezes imundo - da arte onde cada critério pessoal quer levar a brasa à sua sardinha.”


Colóquio Artes
“Diálogo em Lisboa”
27º Ano, Junho de 1985, pp. 5-15
José-Augusto França

“[...] ver que compras e em que direcção e, através disso, que é perfil particular de cada instituição, procurar um perfil geral, de médias feito, da arte dos últimos anos, é o fim derradeiro desta exposição lisboeta.”

“[...] já que o panorama abrangido começa na segunda metade dos anos 50, logo há que notar que a situação do abstraccionismo ‘lírico’ então vigente tem lugar mínimo na exposição. Na verdade, dos grandes pintores de então, só Soulages e Vedova estão presentes.”

“A fotografia é, assim, veículo que entra insolentemente na arte contemporânea, não por seu valor mecânico e ainda menos estético, mas como apropriação imediata de um real posto em metáfora, sem maior necessidade de montagem.”

[Sobre a ‘Bad Painting’] “Nenhuma necessidade cultural certamente lhe assiste, após o hiper-realismo fugaz (que também não...) e o ‘choque petrolífero’ já evocado a seu favor, não passa de desculpa de esperteza socio-mecanicista para relançar negócios pouco nítidos - como tal pintura o é.”

“Não deixa por isso a ‘Bad Painting’ de ser uma significativa homenagem à pintura, pelo paradoxo que faz com que a esperteza seja uma homenagem à inteligência ou com que a mentira seja uma homenagem à verdade.”

“[...] a pintura não perdeu uma partida estética mui diversamente jogada, ou suposta, ao sabor de modas e de fantasmas pessoais e colectivos, que desde o dadaísmo (esse sim...) nos assombram. Mudanças de técnicas e engodos tecnológicos fazem o que fazem, sem que muitas mãos larguem muitos pincéis (ou estejam a retomá-los)...”