1.6.09

LISBON INTERNATIONAL SHOW
A Bienal Internacional de Desenho que Lisboa perdeu


© Arquivo Julião Sarmento
Aspecto da Lis’79, com obras de Herman Guardjancic (Eslovénia), Eduardo Nery (Portugal), Saldanha da Gama (Lisboa), Manuel Casimiro (Portugal), Mauro Staccioli (Itália), Chérif & Silvie Defraqui (Suíça), Tatsuo Kawaguchi (Japão) e Jean Mauboules (Suíça)



Nas memórias da Lis’79 e da malograda Lis’81, o “onde”, “quando” e “o quê” adquirem um protagonismo trágico, porque esta história começa invariavelmente pelo fim: na manhã de 20 de Agosto de 1981, um violento e rápido incêndio consumiu a Galeria Nacional de Arte Moderna de Belém e as obras que aí integrariam a II Exposição Internacional de Desenho de Lisboa – Lis’81. Em sentido literal e figurado, o sonho de a cidade se inserir no roteiro das bienais internacionais de arte ficou reduzido a cinzas.

Lis era o acrónimo de Lisbon International Show que convocava também o nome da cidade acolhedora. Seria uma bienal internacional onde os artistas nacionais podiam confrontar-se com o que acontecia “lá fora” e que queria mostrar o que de mais recente se produzia na área do desenho, entendendo-se a disciplina como um campo aberto às tendências conceptuais e pluridisciplinares das artes visuais.


O ideólogo destas exposições foi o pintor Fernando Calhau, e o secretário de Estado da Cultura, David Mourão-Ferreira, deu luz verde ao projecto. Calhau entrara em 1976, com Julião Sarmento, para a Direcção-Geral da Acção Cultural, pela mão do seu director-geral, Eduardo Prado Coelho, e por indicação de Ernesto de Sousa e do pintor João Vieira, que já aí trabalhava.


Esta é a época pós-PREC em que as Campanhas de Dinamização Cultural da célebre 5ª Divisão do Movimento das Forças Armadas já haviam terminado, mas onde as políticas culturais oscilavam ainda entre o vínculo à educação e a sua dissolução num ambíguo programa de comunicação. Sucessivos saneamentos, nomeações e rotações de apoios minavam a confiança de artistas e intelectuais (mais próximos do poder desde o 25 de Abril) em relação à noção oficial de democratização da cultura. Gradualmente e à medida que a década finda, a arte volta a interessar em si mesma (e já não como sendo “para o povo”) e uma emergente “cultura de massas” vem baralhar a já complicada relação entre cultura de elite e cultura popular.


Mas este é também o tempo em que parece que há “coisas” a acontecer: depois dos murais anónimos a cobrir as paredes das ruas, dos grupos artísticos de intervenção urbana (o Acre e o Puzzle) e das “exposições-inquérito” na Sociedade Nacional de Belas Artes, havia agora as actividades de captação de público nos museus nacionais, e o Congresso da Associação Internacional de Críticos de Arte (Lisboa, 1976). Falava-se de um novo Museu de Arte Contemporânea, começava a entender-se a fotografia como prática artística e uma nova geração, aquela que será consagrada nos anos 80, ia conquistando lugares nas exposições, na crítica de arte e nos organismos oficiais. Ambicionava-se, também, a internacionalização da arte, após décadas de isolamento forçado.


É deste cadinho que emerge a actividade da Secretaria de Estado da Cultura e dos que organizaram a Lis’79 na Galeria Nacional de Arte Moderna de Belém. A activação desta corresponde ao período em que Hélder Macedo (então secretário de Estado) começa a dar forma a uma ideia que já vinha da altura da pintura colectiva do 10 de Junho de 1974 (1), realizada pelo Movimento Democrático de Artistas Plásticos no sítio que viria a ser a Galeria de Belém – e que era, na origem, uma grande e provisória nave de exposições herdada da Exposição do Mundo Português de 1940. Essa ideia designou-se “Área Cultural de Belém” e Artur Rosa foi o arquitecto indigitado para elaborar o Estudo Prévio. Estava em causa a consolidação da vocação cultural e de lazer dessa zona ribeirinha lisboeta, e pretendia-se reconverter os edifícios preexistentes: o Museu de Arte Popular acolheria as exposições temporárias do Museu de Etnologia e ligar-se-ia à Galeria de Belém mediante novas construções e espaços verdes que incluíam auditório e recinto de espectáculos ao ar livre, sala de exposições, bar, restaurante e instalações oficiais para a SEC.


João Vieira detinha, como Coordenador da Área Cultural de Belém, a direcção da Galeria de Belém, e iniciou um programa de exposições em Abril de 1978 que visava captar o público que frequentava aquela zona aos fins de semana e reforçar o estatuto da Galeria como pólo de encontro de artistas (para além do evento do 10 de Junho de 1974, outros acontecimentos pontuais aí foram decorrendo, como a “Alternativa Zero”, em 1977).


Por lá, entre 1978-80, passaram as ainda hoje recordadas exposições de Vostell e da Poesia Experimental Portuguesa, e mostras de fotografia, artes gráficas, banda desenhada e cinema de animação. Apresentou-se anualmente o “Panorama das Galerias” portuguesas e o “Inventário: obras da colecção da Secretaria de Estado da Cultura”. Faziam-se ciclos de cinema experimental; aos fins de semana, organizavam-se sessões de cinema para as famílias e espectáculos para crianças (pelo grupo de teatro O Bando); imprimia-se em offset documentação de apoio, que era vendida a preços em conta. Por tudo isto, a Galeria de Belém alcançou uma média, impressionante na altura, de dez mil visitantes por mês.


O espaço funcionava também como laboratório de experimentação de novas linguagens nas práticas artísticas portuguesas e aí se criou um Centro de Vídeo que contava com um estúdio semi-profissional da Philips – o Video 80. Foi aí que se produziram, por exemplo, obras para a mostra “Portuguese video art” organizada pela DGAC em 1981 na Gallery of New Concepts da School of Art and History da Universidade do Iowa (com trabalhos, entre outros, de Ernesto de Sousa, Helena Almeida, José Barrias, José Conduto, Silvestre Pestana, Joana Rosa, António Palolo, António Cerveira Pinto, Leonel Moura, José Carvalho, Julião Sarmento e João Vieira).


A Lis’79 veio engrossar a lista das actividades desenvolvidas na Galeria de Belém que mobilizavam os artistas interessados nos novos media. João Vieira deu carta branca à iniciativa de Calhau, que pertencia ao Departamento de Artes Visuais da DGAC e, da parte da Galeria, Julião Sarmento deu o apoio necessário. Em depoimento à L+arte, Sarmento conta como o país “naquela altura estava na moda”, devido à recém-instaurada democracia, e como Calhau “queria pôr Portugal no mapa da arte contemporânea. Pensou que estava ao nosso alcance organizar uma bienal deste género, como forma de cá trazer artistas estrangeiros, chamar a imprensa estrangeira”. A isto somou-se uma razão de peso: a maior facilidade em lidar com as questões económicas e logísticas do transporte de desenhos. Ainda segundo Sarmento, a inspiração directa para a Lis foi a Bienal de Desenho de Rijeka (Croácia), que Calhau conhecia.


A exposição inaugurou no dia 30 de Outubro de 1979 e estruturou-se em torno de um núcleo de artistas convidados, portugueses e estrangeiros, entre os quais se contavam Alberto Carneiro, Álvaro Lapa, Ângelo de Sousa, António Sena, Carl Andre, Conrad Atkinson, Didier Bay, Eduardo Batarda, a Equipo Crónica, Helena Almeida, Jochen Gerz, Lourdes Castro, Masafumi Maita, René Bertholo, Victor Fortes e Wolf Vostell; e de uma selecção de obras enviadas a concurso, onde se destacavam Ami Shavit, Ana Jotta, Carlos Nogueira, Chérif & Silvie Defraoui, Eduardo Nery, Endre Tót, Fabienne de Quasa Riera, Filko Stano, Gabor Attalai, Gaëtan, Jaccard, Jean Mauboules, Joana Rosa, Joaquim Bravo, José Barrias, José de Guimarães, Josephine Sloet, Julião Sarmento, Jwow Basto, Krzysztof Wodiczko, Luciano Castelli, Luiz Carlos Carvalho, Maria Beatriz, Mauro Staccioli, Michael Biberstein, Michael Gross, Morellet, Pedro Chorão, Pinchas Cohen Gan, Pnina Reichman e Roberto Comini.


A exposição revelava o maior eclectismo de procedimentos e atitudes na prática do desenho: sobressaíam princípios processuais e projectuais, o recurso à fotografia, à serialidade geométrica e abstracta, aos signos gráficos oriundos da escrita e da cartografia, moldava-se o suporte, acumulavam-se objectos e emergia um expressionismo impulsivo e carregado que anunciava os anos 80.


Uma grande exposição de desenhos de Almada Negreiros completava o programa da Lis’79. Fernando Pernes, Jesa Denegri, Maurice Eschapasse, Georg Jappe e Achille Bonito Oliva formaram o júri que seleccionou as obras a concurso e atribuiu os prémios, entregues a António Sena e Joana Rosa (Portugal), Ana Lupas (Roménia), Endre Tót (Hungria), Krzysztof Wodiczko (Polónia), Lee Guen-Yong (Coreia), Luciano Castelli (Suíça), Roberto Comini (Itália).


Concentrados todos os esforços na pessoa de Fernando Calhau, Julião Sarmento e João Vieira são unânimes em apontar o seu sentido político e estratégico na organização da Lis’79. De facto, esta estruturou-se numa gestão de consensos que chamou a si todos os quadrantes da crítica e, com isto, ampliou ao máximo a sua visibilidade: primeiro, ao descentralizar a iniciativa, chamando Fernando Pernes, em reconhecimento do seu trabalho no Centro de Arte Contemporânea do Museu Nacional Soares dos Reis, no Porto (e onde a Lis’79 se apresentou no início de 1980); depois, ao internacionalizar o júri para que este, enquanto prestigiava e divulgava a exposição no estrangeiro, conhecesse a produção nacional (Bonito Oliva foi a escolha certeira que, no ano seguinte, editaria La Transavanguardia Italiana: autonomia e creativita della critica, fixando um dos modelos da crítica de arte da década de 80); finalmente, a homenagem indiscutível a Almada Negreiros, prestando tributo ao modernismo português mais heteróclito e referenciando-se directamente a duas posições críticas quase sempre opostas: a de Ernesto de Sousa (que reavivara a memória de Almada, sobretudo junto dos artistas mais jovens que gravitavam na sua órbita, como Calhau) e de José-Augusto França (estudioso de Almada e autor do texto de catálogo a ele dedicado).


Na imprensa, a crítica louvou a iniciativa como o “grande acontecimento” (2) da temporada artística. Era “polémica” mas “estimulante” e valorizou-se o contributo das várias tendências da “área experimental” na “radical auto-crítica à arte do desenho: na sua estrutura e na sua função” (3). A quem não agradava a excessiva presença da fotografia (4) nem as escolhas curatoriais com “tendência e opinião” (5), a homenagem a Almada Negreiros temperava uma exposição entendida como hermética e demasiado conceptual. E, apreciando-se o esforço de organização da SEC, criticou-se ainda assim a incapacidade do gabinete de comunicação social numa divulgação eficaz (nacional e internacional), a falta de resposta de artistas estrangeiros convidados e a ausência de contactos entre os membros do júri e a DGAC.


É um facto que a aprovação e os meios financeiros disponibilizados pela DGAC não obstaram a falhas de outra ordem, nomeadamente uma consciência mais clara do papel de representação que cabia àquela estrutura oficial da cultura em Portugal. João Vieira, que até aí assistira de fora ao desenrolar dos acontecimentos, conta à L+arte como assumiu nessa altura a função providencial de receber institucionalmente (enquanto director da galeria e perante a evidência de que o director-geral Fernando Alçada não o faria) os membros do júri, quando estes se encontraram pela primeira vez em Belém, e evitar assim um incidente protocolar que poderia comprometer o sucesso do evento.

Era um sinal de que a cultura não tinha um estatuto próprio para além dos seus resultados políticos que, no caso da Lis’79, não eram relevantes, mesmo tendo a dimensão internacional que a SEC programaticamente ambicionava. Hoje, João Vieira considera um erro estratégico a excessiva confiança que Calhau depositou no hipotético apoio do director-geral, sobretudo quando a Lis’79 acabou por ser, nas palavras de Sarmento, um one-man job: a selecção dos artistas convidados, a escolha do júri, o design do catálogo, tudo foi pensado e executado por Calhau. Ainda assim, a Lis’79 aconteceu como estava previsto e, a vários níveis, superou as expectativas dos seus organizadores.


O pior estava para vir e aconteceria através da infeliz combinação de factores que culmina no incêndio de 20 de Agosto de 1981. Os preparativos para a Lis’81 avançavam: Fernando Calhau continuava à frente do processo, o local era o mesmo e o júri constituído por Donald Kuspit, Rudi Fuchs e Fernando Pernes já havia seleccionado as obras a concurso e os artistas premiados (José de Carvalho por Portugal, Dagmar Rhodius pela República Federal Alemã e Francesc Torres por Espanha). A nova Lis afastava-se da edição anterior no que ao conceptualismo e à experimentação dizia respeito e revelava a tendência dominante da bad-painting e do regresso à figuração, ao realismo expressionista, à gestualidade infantil e às referências primitivistas. Marlene Dumas, Lucio Pozzi, Isolde Wawrin, Peter Angermann, Troels Wörsel, Dan Graham, Branislav Vlajkov, e os portugueses Jaime Silva, Xana, André Gomes, Leonel Moura, António Cerveira Pinto, Emília Nadal e Vítor Pomar seriam alguns dos artistas participantes na Lis’81, prevista para abrir a 30 de Outubro.


Um provável curto-circuito causou o incêndio daquela manhã dramática. As madeiras e os estafes do edifício, os materiais inflamáveis lá armazenados e o seu semi-abandono (com João Vieira e a sua equipa afastados por ordem do então secretário de Estado Vasco Pulido Valente e com a “Área Cultural de Belém” a ser protelada indefinidamente), fizeram o resto. Da galeria propriamente dita sobraram as paredes de fachada. No seu interior, as chamas engoliram tudo: o Centro de Vídeo, pinturas e esculturas da colecção da SEC, as oficinas de montagem... e as centenas de desenhos da Lis’81, que cobriam o chão da nave de exposições desde o dia em que o júri ali se reunira para a selecção dos premiados e expositores.


Ultrapassados o choque inicial e o receio de um escândalo internacional (dada a ausência das condições mínimas de segurança e de seguros de indemnização para os artistas), nada mais se fez. João Vieira recorda-se dos vários artistas participantes (portugueses e estrangeiros) que quiseram reenviar desenhos para se refazer a exposição, e da ausência de resposta da DGAC. Julião Sarmento, por sua vez, conta como Rudi Fuchs (então director artístico da edição de 1982 da Documenta de Kassel) se ofereceu para organizar uma doação, em manifestação de apoio ao Estado português e para a constituição de um Museu de Arte Contemporânea, de obras de artistas como Judd, Kosuth, Weiner, Richter, Baselitz e Kiefer, doação esta que ficou para sempre a aguardar o parecer de uma nunca concretizada comissão de avaliação das obras oferecidas.

A Lis’81 morreu aí, e a ideia de uma Bienal Internacional de Desenho em Lisboa, que poderia não ter ficado comprometida, também. Para lá da qualidade indiscutível da edição de 1979, as “Lises” ficaram como testemunho das fragilidades e indecisões das políticas culturais. Não voltaria a haver uma sala de exposições “institucional” com uma programação regular com o alcance da Galeria de Belém e, quanto à “Área Cultural de Belém”, esta surgiria muitos anos depois transformada em Centro Cultural de Belém. Mas os anos 80 tinham chegado e, com eles, uma nova vitalidade da iniciativa privada traria outros campos de acção para os artistas portugueses.



Catarina Rosendo

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1. Francisco Belard, “Um centro de arte moderna em Belém”, Diário de Notícias, supl. “Artes e Espectáculos”, Lisboa, 29 Dez. 1979.
2. N. D. M. (Nelson Di Maggio), “Lis’79. Primeira Exposição Internacional de Desenho (Galeria Nacional de Arte Moderna)”, Sete, supl. “Roteiro”, Lisboa, 30 Out. 1979.
3. Rui Mário Gonçalves, “Para ver como nos vemos”, Diário de Notícias, Lisboa, 8 Nov. 1979.
4. Manuela Azevedo, “Na Lis’79, com Almada Negreiros”, Diário de Notícias, Lisboa, 9 Nov. 1979.
5. Edgar Xavier, “Lis’79: uma bienal de desenho?”, Expresso, Lisboa, 30 Nov. 1979.




Agradecimentos:


Ana Anacleto
Bruno Marchand
João Vieira
Julião Sarmento



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IMAGENS



© Arquivo Julião Sarmento
Aspecto da Lis’79, com obras de Fabienne de Quasa Riera (França), Gaëtan (Portugal), Morellet (França) e Lee Guen-Yong (Coreia)



© Arquivo Julião Sarmento
Aspecto da Lis’79, com obras de Michael Gitlin (Israel), Luciano Castelli (Suíça), Lee Guen-Yong (Coreia) e Salem Dabbagh (Iraque)



© Arquivo Julião Sarmento
Aspecto da Lis’79, com obras de Herman Guardjancic (Eslovénia), Betty Danon (Itália), Michael Biberstein (Suíça) e Tatsuo Kawaguchi (Japão)



© Arquivo Julião Sarmento
Aspecto da Lis’79, com obras de Julião Sarmento (Portugal), Krzysztof Wodiczko (Polónia), Jacques Louis Nyst (Bélgica) e Endre Tót (República Federal da Alemanha)



© Arquivo Julião Sarmento
Aspecto da Lis’79, com obras de Alberto Carneiro (Portugal), Masafumi Maita (Japão) e Conrad Atkinson (Inglaterra)



© Arquivo Julião Sarmento
Vista geral do interior da Galeria de Belém após o incêndio de 20 de Agosto de 1981



© Arquivo Julião Sarmento
O interior da Galeria de Belém após o incêndio de 20 de Agosto de 1981



© Arquivo Julião Sarmento
Pormenor das estruturas destruídas da Galeria de Belém após o incêndio



© Arquivo Julião Sarmento
Os restos calcinados do estúdio semi-profissional de vídeo da Galeria de Belém após o incêndio de 20 de Agosto de 1981



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FICHA TÉCNICA


LIS'79

Título:

Lis’79 Lisbon Internacional Show – Exposição Internacional de Desenho Portugal

Local e Data:
Lisboa, Galeria Nacional de Arte Moderna de Belém – 30 Outubro – 31 Novembro 1979
Porto, Museu Nacional Soares dos Reis – 18 Dezembro 1979 – 19 Janeiro 1980

Organização:
Direcção-Geral da Acção Cultural – Secretaria de Estado da Cultura – Ministério da Cultura e da Ciência

Júri:
Achile Bonito Oliva (Itália), Fernando Pernes (Portugal), Georg Jappe (Alemanha), Jesa Denegri (Jugoslávia), Maurice Eschapasse (França)

Artistas Convidados:
Alberto Carneiro, Álvaro Lapa, Ângelo de Sousa, António Manuel, António Sena, Ay-o, Batarda Fernandes, Carl Andre, Conrad Atkinson, Costa Pinheiro, Didier Bay, Equipo Crónica, Eurico, Helena Almeida, Jochen Gerz, José Rodrigues, Júlio Pomar, Lourdes Castro, Masafumi Maita, Paula Rego, Pinchas Cohengan, René Bertholo, Victor Fortes, Wolf Wostell

Artistas Participantes:
Ami Shavit, Anna Banana, Ana Jotta, Ana Lupas, Andreas Pfeiffer, António Modesto, António Pimentel, Artur Rosa, Áurea Nebiola, Betty Danon, Carlos Nogueira, Chan Ying Kit, Chérif & Silvie Defraoui, Cláudio Costa, Dimitri Ribeiro, Domingos Pinho, Donato Calarmatino, Eduardo Nery, Emerenciano, Emília Nadal, Endre Tót, Fabienne de Quasa Riera, Filippo di Sambuy, Filko Stano, Gabor Attalai, Gaetan, Gaglione, Gil Teixeira Lopes, Gilgian Gerlzer, Haka, Herman Guardjancic, Jaccard, Jacques Louis Nyst, Jean Clareboudt, Jean-Louis Magana, Jean Maboules, Joan Rabascall, Joana Rosa, Joaquim Bravo, John Firth-Smith, José Barrias, José de Guimarães, Josephine Sloet, Julião Sarmento, Jurgen Vogdt, Jwow Basto, Keith Milow, Kishio Suga, Krzysztof Wodiczko, Lee Guen-Yong, Luciano Castelli, Luís Carlos Carvalho, Luís Serpa, Luísa Correia Pereira, Luísa Gonçalves, Manuel Casimiro, Manuel Pires, Maria Beatriz, Maria José Aguiar, Matos Cardoso, Mauro Staccioli, Melício, Michel Biberstein, Michael Gitlin, Michael Gross, Mojovic Dragan, Monteiro Gil, Morellet, Noel Dolla, Nur Koçak, Peer Wolfram, Pedro Chorão, Pnina Reichman, Radova Kraguly, Regina Silveira, Robert Cumming, Roberto Comini, Robin Crozier, Rocha Pinto, Saldanha da Gama, Salem Dabbagh, Salvatore Esposito, Sena, Shinjo Shigeo, Sobral Centeno, Tatsuo Kawacuchi, Uecker, Zulmiro de Carvalho

Artistas Premiados:
Ana Lupas (Roménia), António Sena (Portugal), Endre Tót (Hungria), Joana Rosa (Portugal), Krzysztof Wodiczko (Polónia), Lee Guen-Young (Coreia), Luciano Castelli (Suíça), Roberto Comini (Itália)


LIS’81

Título:

Lis’81 Lisbon Internacional Show – Internacional Exhibition of Drawings Portugal

Local e Data (previstos):
Lisboa, Galeria Nacional de Arte Moderna de Belém, 30 Outubro – 30 Novembro 1981

Organização:
Divisão de Artes Plásticas da Direcção-Geral da Acção Cultural – Secretaria de Estado da Cultura – Ministério da Cultura e Coordenação Científica

Júri:
Donald Kuspit (Estados Unidos da América), Fernando Pernes (Portugal), Rudi Fuchs (Holanda)

Artistas Convidados:
Cecile Abish, Agnes Denes, Marlene Dumas, Eurico, Leslie Foxcroft, Ellen Lanyon, Graça Morais, Lucio Pozzi, Cesárea Queimado, Deborah Remington, José Rodrigues, António Sena, Jaime Silva, G. R. Tuzina, Isolde Wawrin

Artistas Participantes:
Janos Abkarovits, Philip Maria Akkerman, Helena Almeida, Paula Alves, Peter Angermann, Pidder Auberger, Augustino (Guus van der Werf), Geert Baas, Jwow Basto, Maggie Bauer, Robin Beers, Áurea Nubiola Bellido, Kurt Benning, Johan van den Berg, João Manuel Bernardo, Domenico Bianchi, Michael Biberstein, Armando Birra, Mario Borillo, Renée Bouws, Paul R. Bowen, Ana Branca/Domingos Caldeira, Joaquim Bravo, K. P. Brehmer, Pedro Cabrita Reis, Pedro Calapez, Carlos Carreiro, Al Cartio, Zulmiro de Carvalho, Manuel Casimiro, Fernanda Castro, Bruno Ceccobelli, Jacques Charlier, Jean Clareboudt, Deborah Cofer, Pinchas Cohen-Gan, Collin-Thiebaut, Betty Collings, Victor Fernando Côrte, Michael Crowther, Robert Cumming, Manuel Graça Dias, João Dionísio, Martin Disler, Carlos Duarte, Marianne Eigenheer, Elsa, Emerenciano, Amadeu Escórcio, Enzo Esposito, Dorothy Faison-Lemelle, Eduardo Batarda Fernandes, Joaquim Filipe, John Firth-Smith, António Folgado, Helgi Thorgils Fridjónsson, Yoshisuke Funasaka, Gäetan, Isabel Garcia, Gilgian Gelzer, GI, Cheryl Goldsleger, André Gomes, Carlos Gordilho, Dan Graham, G. Gery Griffin, Hetum Gruber, Grupo Vista Armada, José de Guimarães, Ana Gusmão, Herman Gvardjancic, Jan Hafström, Carlos Harle, Phoebe Helman, Armin Heusser, IPUT, Ana Isabel, Alberto José, Ana Jotta, Leonard Kallok, Jack Keguenne, Willem-Jan Kersten, Floor van Keulen, Michael Kirby, Hanneke Klinkum, Nur Koçak, Stephan Kochs, Herbert Kopp, Milan Kunc, Ales Lamr, Álvaro Lapa, Francisco Laranjo, Bertrand Lavier, Giorgios Lazongas, Alun Leach-Jones, Geun-Yong Lee, Otto Lehmann, Werner Otto Leuenberger, Tadeusz Lewandowski, João Liça, Thomas J. Van der Linden, Tcahír Lusíc, Marcel Maeyer, Maik Mager, Keshav Prasad Malla, Gudrun von Maltzan, Marcelino, Jean Mauboulés, MB, Filipe Meyrelles, António Modesto, M. Lucília Moita, Pedro Monteiro, Mon Montoya, Allan Morrow, José Mouga, Leonel Moura, John Murphy, Emília Nadal, Na Nau, Paul Neagu, Carlos Nogueira, Edouard Nono, Fernando Marques de Oliveira, Rui Oliveira, Dominique van Osta, Constantin Pacea, Jurgen Partenheimer, António Patrício, Alexandre Marques Pereira, Kars Persoon, Manuela Pestana, Peter Pick, Cerveira Pinto, Fátima Pinto, Vítor Pomar, Raquel Gonzalez Reimão, Fabienne de Quasa Riera, Carmo Romão, Da Cruz Rosa, Benet Rossel, Harlan Harvey Sadberry Jr., Ilídio Salteiro, Santiago, Francisco José N. Santos, Pedro Saraiva, Stefan Sczcesny, Luís Serpa, Teresa Silva, Zdzilaw Sosnowski, Rocha de Sousa/Maria João Gamito, Elisabeth Straessle, Marjorie Strider, Joaquim Tavares, Wolfgang Temmel, Endre Tót, Carlos Trindade, Teresa Tyszkiewicz, Micha Ullman, Janos Urban, Aviva Uri, Ines, Vandeghinste, Pedro de Barros Vasconcelos, Ana Vaz, António Viana, Branislav Vlajkov, Shelagh Wakely, Linda Warren, Barbara Westerfield, Tine van de Weyer, Wil Wiegant, Thornton Willis, Troels Wörsel, Xana, Janet Yang, Esma Yigitoglu, René Zäch, Markus Zürcher, Pamela Zwehl-Burke

Artistas Premiados:
José de Carvalho (Portugal), Dagmar Rhodius (Holanda), Francesc Torres (Espanha)



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BLOCO DE NOTAS


Catálogo da Lis’79
| texto de apresentação do Director-Geral da Acção Cultural:

(...) Esta exposição de periodicidade bienal integra-se num vasto programa de difusão e promoção cultural que procura contribuir como incentivo à criação e difusão da obra artística.


Saído recentemente de um certo isolamento, pela ampliação das relações internacionais, Portugal encontra de novo formas de ligação com a criação no estrangeiro e com o público em geral. (...) No presente, a Arte Portuguesa desenvolve-se dentro de parâmetros contemporâneos, para a definição dos quais não serão certamente estranhas a mais fácil troca de informações e circulação de obras e ideias, dentro das coordenadas culturais próprias do nosso país.


Esta situação em desenvolvimento está agora a ser encarada em termos da ainda mais ampla distribuição do acesso aos meios de expressão cultural e apoio à criação artística que prioritariamente terá que ser feita no território nacional, acompanhada naturalmente por medidas de carácter internacional, esquema esse em que se integra a LIS’79.


No caso desta exposição, procurou-se proporcionar ao público a possibilidade de entrever, através das obras de artistas de diversas nacionalidades e tendências, definidas embora por factores comuns de modernidade, as motivações que as ocasionam. Por outro lado, os artistas nacionais poderão ver as suas obras confrontadas com as dos seus colegas estrangeiros, o que se revestirá de grande importância quer pela possibilidade de tomarem contacto com procedimentos diversos, quer pelas leituras detectáveis no aspecto conceptual. Será ainda aberta aos artistas jovens de todos os países, a ocasião de apresentarem as suas obras em termos de igualdade absoluta com as dos seus colegas consagrados.


A LIS em cada nova edição debruçar-se-á sobre o desenho moderno e procurará sempre fazê-lo de acordo com as necessidades e especificidades que se demonstrarem emergentes, revendo para tal os termos do regulamento, sempre que tal se torne necessário, com o objectivo da maior adequação às intenções propostas.


A escolha desta disciplina para motivo de realização da LIS’79, deve-se ao facto de ser o desenho um dos processos criativos que à partida permite a maior liberdade uma vez que a sua realização não depende de equipamentos sofisticados, embora alguns artistas os empreguem por força das suas investigações pessoais.


O desenho tem acompanhado com um papel mais ou menos importante, todos os movimentos e tendências artísticas, e embora seja difícil nos nossos dias definir em termos exactos os seus limites técnicos, continua a ser possível delinear todo um programa de intenções e de essência, mesmo quando os processos se afastam da ortodoxia do carvão ou grafite sobre papel. O desenho ganhou na actualidade uma autonomia, de certo modo decorrente da diversificação dos MEDIA, e das correntes estéticas, mesmo quando constituindo projecto para uma obra ou acção, é-o em termos independentes mais conceptuais que formais. Deixamos pois de ter o desenho “Arte Menor” para termos o desenho “Arte”.



Bibliografia | Imprensa:

1979
“Desenhos de 113 artistas num «show» internacional”, Diário de Notícias, Lisboa, 30 Out. 1979, p. 13.
D. M., N. [DI MAGGIO, Nelson], “Lis’79 – Primeira Exposição Internacional de Desenho (Galeria Nacional de Arte Moderna)”, Sete, supl. “Roteiro”, Lisboa, 30 Out. 1979, p. ix.
AZEVEDO, Manuela, “Das Belas Artes a Cascais com passagem por Belém”, Diário de Notícias, Lisboa, 31 Out. 1979, p. 13.
“Inaugurada em Belém a LIS-79”, Diário de Notícias, Lisboa, 31 Out. 1979, p. 13.
“LIS-79 – Exposição Internacional de Desenhos”, Diário Popular, supl. “Letras e Artes”, Lisboa, 31 Out. 1979, p. i.
DI MAGGIO, Nelson, “Lis’79. Exposição Internacional de Desenho (Galeria Nacional de Arte Moderna)”, Sete, supl. “Roteiro”, Lisboa, 7 Nov. 1979, p. viii.
GONÇALVES, EURICO, “Lis’79 – Exposição Internacional de Desenho. A caixa da arte”, Diário Popular, supl. “Letras e Artes”, Lisboa, 8 Nov. 1979, p. vi-vii.
GONÇALVES, Rui Mário, “Para ver como vemos”, Diário de Notícias, Lisboa, 8 Nov. 1979, p. 17-18.
AZEVEDO, Manuela de, “Na Lis’79, com Almada Negreiros”, Diário de Notícias, Lisboa, 9 Nov. 1979, p. 7.
XAVIER, Edgardo, “Lis’79 – Uma bienal de desenho?”, Expresso, supl. “Revista”, Lisboa, 30 Nov. 1979, p. 54.
GONÇALVES, Rui Mário, “Carta de Lisboa. Lis’79”, Colóquio Artes, nº 43, Lisboa, Dez. 1979, p. 61-63.
BELARD, Francisco, “Um centro de arte moderna em Belém”, Diário de Notícias, supl. “Artes e Espectáculos”, Lisboa, 29 Dez. 1979.

1980
“Duas questões”, Arta, nº 1, Lisboa, Maio-Jun. 1980, p. 19.

1981
“Catástrofe para a cultura portuguesa: chamas destroem Galeria de Arte em Belém”, A Capital, Lisboa, 20 Ago. 1981, p. 1 e 32.
“De seguro... nem sombras: não houve artes que salvasse o melhor dos nossos pintores”, A Capital, Lisboa, 21 Ago. 1981, p. 1 e 12-13.
“Desenhos de todo o mundo arderam na Galeria de Belém. Fogo na Galeria de Arte Moderna reduz a cinzas dois mil desenhos”, Diário de Notícias, Lisboa, 21 Ago. 1981, p. 1 e 16.
BELARD, Francisco, “O fogo e as cinzas”, Expresso, supl. “Revista”, Lisboa, 22 Ago. 1981, p. 44.
POMAR, Alexandre, “Continuam a deixar arder a cultura portuguesa”, Diário de Notícias, Lisboa, 22 Ago. 1981, p. 11.
“Belas-Artes do Porto em perigo”, Diário de Notícias, Lisboa, 24 Ago. 1981, p. 7.
SALLES, António, “Defenda a cultura deixando-a morrer”, A Capital, Lisboa, 25 Ago. 1981, p. 5.
AVILLEZ, Maria João, “Sobreviverá o património artístico?”, Expresso, supl. “Revista”, Lisboa, 29 Ago. 1981, p. 10-12.
“Galeria de Arte Moderna: depois do fogo, o silêncio”, JL – Jornal de Letras, Artes e Ideias, Lisboa, 15 Set. 1981, p. 8-9.
“International news”, Umbrella, Glendale CA, vol. 4, no. 5, Nov. 1981, p. 138.



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DEPOIMENTOS



João Vieira
Artista
A partir de entrevista realizada no seu ateliê em 02.04.2009

No pós-25 de Abril houve uma grande esperança de que as coisas mudassem em Portugal e imensas pessoas agiram como portugueses novos. Houve muito a ideia de uma “democratização das artes” feita através de programas de animação cultural, que hoje é um conceito que desapareceu (ou que foi completamente subvertido), mas que visava criar estruturas sócio-culturais que servissem as populações e que as ajudasse a pensarem por si próprias, as ajudasse a crescer culturalmente para tomar consciência de qual era o seu papel na colectividade. Uma das actividades da Direcção-Geral da Acção Cultural era precisamente esse. (...)

A partir de 1975 e com a criação da DGAC, eu fui nomeado Director Gabinete da Animação Cultural. Entre outras coisas, organizámos o Congresso da Associação Internacional dos Críticos de Arte, que foi o primeiro momento de abertura do país ao contexto artístico internacional e que incluiu uma grande exposição de arte africana, com obras do Museu de Etnologia que, na altura, ainda não estava a funcionar (apesar de já estar construído), mas que foi aberto para o efeito. E pusemos a Galeria de Belém a funcionar.
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A Galeria de Belém era a única que funcionava em Portugal naqueles anos, para além da Galeria Quadrum, e estes eram os únicos espaços disponíveis para os artistas trabalharem à vontade. Eu tinha pouquíssimos recursos para fazer exposições, mas fazia-as e, a partir de dada altura, passámos a ter a cumplicidade do Sommer Ribeiro, da Gulbenkian, que começou a perceber que ali se passavam coisas: fizeram-se as sessões do Almada do Ernesto de Sousa, a “Po.Ex” (com o extraordinário Confessionário da Ana Hatherly e o quadro grande de tirar medidas às pessoas do Melo e Castro), a exposição do Vostell, que foi visitada por milhares de pessoas... Editávamos os catálogos em offset de escritório, para vender a 10 tostões às pessoas que lá iam. Mudámos a instalação eléctrica e fomos comprando material de vídeo até termos um mini-estúdio, com o qual fomos produzindo várias obras. Parte delas foram depois aproveitadas para a Portuguese Video Art, cujos originais (que são o único material produzido no Centro de Vídeo da Galeria que sobrou do incêndio), estão hoje nas mãos do Arq. Vasconcelos, apesar dessas obras serem propriedade do Estado português.
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O Ernesto de Sousa tinha-me falado de uns “rapazes das Belas-Artes”, o Julião Sarmento e o Fernando Calhau, e foi assim que eles entraram na DGAC, no tempo do Eduardo Prado Coelho. O Julião ficou a trabalhar comigo na Galeria de Belém e o Calhau ficou no Departamento de Artes Visuais.
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Depois do Eduardo Prado Coelho se ter ido embora, ficou o Fernando Alçada como director-geral, um homem que vinha dos petróleos, tinha fundado o Jornal Novo e que chegou à DGAC por via partidária, quase de certeza. O Fernando Alçada não fazia nada, ia-se aproveitando das decisões superiores para se manter no seu lugar, que era o seu único objectivo, e quem fazia tudo era o Calhau e o José Afonso Furtado, que antes tinha sido o braço direito do Eduardo Prado Coelho. E o Calhau achou que podia fazer aliança com o Fernando Alçada. (...) O Calhau acabou por se transformar um pouco num funcionário administrativo por escolha própria; tinha muita vontade de fazer coisas, mas era muito manga-de-alpaca. (Tinha um modelo de funcionamento, que era o da Gulbenkian e, concretamente, do Fernando de Azevedo.)

Ainda assim, eu recebi muito favoravelmente a proposta do Calhau de se fazer a Lis na Galeria de Belém. Tomara eu que me fizessem mais propostas dessas, era o que eu desejava porque, como director da Galeria, interessava-me. Mas nada passou por mim, porque o Calhau não me comunicava nada, o director-geral ia assinando o que era preciso e o Calhau foi organizando tudo sozinho. Deixei andar.


Mais tarde, quando os membros do júri vieram a Lisboa, foram muito mal recebidos pelo director-geral, um “Bom dia” e pouco mais, e ficaram mal impressionados; como pessoas de prestígio que eram na altura queriam ser recebidos de outra maneira. Foi aí que o Calhau veio ter comigo, fez as suas queixas relativamente ao sucedido, e eu combinei com ele que receberia os membros do júri na qualidade de director da Galeria, os levaria a visitar a Galeria de Belém, conversaria com eles, levá-los-ia a almoçar e, depois, deixaria as questões práticas a cargo do Julião e do próprio Calhau. Assim foi e isso agradou ao júri. E fez-se a primeira Bienal de Desenho, na qual eu não tive outra intervenção.
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A Lis’79 teve muito boa receptividade, porque os três membros estrangeiros do júri eram pessoas com influência internacional e os artistas, portugueses e estrangeiros, apreciaram esse facto.
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Depois continuaram a decorrer actividades na Galeria de Belém, até o Vasco Pulido Valente decidir acabar com ela, através de um despacho [de 4.9.1980 / Informação de Serviço nº 105/80-GNAM, de 7.8.1980] que impedia quaisquer investimentos na estrutura do pavilhão. Aliás, estou convencido de que a Galeria foi abandonada para eu me vir embora, porque o Vasco Pulido Valente, que então era o secretário de Estado, queria afastar-me por eu ser de esquerda. É preciso não esquecer que, na altura, tanto a DGAC como a SEC era movidas mais por interesses políticos do que culturais.

Mas antes disso já ele tinha anulado o despacho, do tempo do Hélder de Macedo, que criava a Área Cultural de Belém e, com isto, mandou sair todo o pessoal que trabalhava na Galeria e que eram, na prática e para além de mim, do Julião Sarmento e do António Cerveira Pinto (que tinha entrado mais tarde), dois electricistas (um deles projeccionista, o outro com curso de manutenção de vídeo), dois administrativos, quatro mulheres da limpeza e guardas. Tudo aquilo ficou abandonado; ia lá de vez em quando o Cerveira Pinto tratar do vídeo, ia lá de vez em quando o Julião tratar do desenho, e ficaram lá abandonados equipamentos, as carpintarias, obras de arte...


Os bombeiros atribuíram aquele incêndio a um curto circuito e eu acredito; sem controlo diário nem manutenção, todos aqueles materiais eram perigosos.
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Muito antes do incêndio, a Direcção-Geral dos Monumentos Nacionais tinha enviado José Luís Porfírio fazer uma avaliação do estado da Galeria. E eu próprio também já tinha chamado os bombeiros e mandado fazer uma peritagem ao estado de segurança da Galeria e eles tinham verificado que as bombas de incêndio não tinham água, não havia extintores, etc. Eu estava sobretudo preocupado com as condições de armazenamento da colecção de obras de arte da Secretaria de Estado da Cultura, que o Lima de Freitas, quando passou pela DGAC, mandou guardar no sótão da Galeria de Belém, mesmo debaixo de um telhado de zinco, sujeita a infiltrações, a variações térmicas... Ainda em 1978, ou logo no início de 1979, eu aproveitei o despacho de criação do Museu Nacional de Arte Moderna no Porto (também anulado depois por Vasco Pulido Valente) para enviar para lá as obras mais importantes dos modernistas (o Souza-Cardoso, o Santa-Rita, o Eduardo Viana...), logo depois de ter feito a exposição “Inventário 1” com as obras da colecção da SEC.
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O incêndio foi um drama, veio anunciado em jornais de várias partes do mundo. Os artistas que participariam na Lis’81, estrangeiros, disseram que enviariam outros desenhos para que a Bienal se realizasse à mesma. Mas o único cuidado do director-geral Fernando Alçada foi escrever uma carta-circular a todos os artistas que tinham sido convidados dizendo que o Estado português não se responsabilizava pela perda dos trabalhos, visto que não havia seguros para as obras. E penso que, aqui, o Calhau falhou grandemente porque, como responsável directo da Bienal deveria ter sido o primeiro a manifestar-se pessoalmente e a lavrar um protesto formal. Ele teria sempre o apoio de toda a gente nisso, mesmo da Gulbenkian, mas na verdade isso demonstra (independentemente do seu trabalho como artista) que ele não tinha estatura para se afirmar e protestar quando era preciso e quando devia. A circular do director-geral foi uma coisa tão catastrófica, tão mesquinha, que matou toda a hipótese de se voltar a pensar na Bienal de Desenho. Nessa altura já o próprio Calhau tinha perdido a confiança no director-geral e estava muito desacompanhado, para além da vergonha que para si próprio deve ter sido – que ele não era nenhum monstro – o desenrolar dos acontecimentos pós-incêndio, sobretudo depois do êxito da primeira edição da Bienal. E, a partir daí, começou naturalmente a pensar noutras coisas.



Julião Sarmento
Artista
A partir de entrevista realizada no seu ateliê em 16.03.2009

Fui contactado pelo João Vieira e pelo Eduardo Prado Coelho para entrar na SEC, creio que em 1975, para constituir um departamento de vídeo dentro da Direcção-Geral da Acção Cultural. Nessa altura, o João Vieira passou para a Galeria Nacional de Arte Moderna de Belém, onde ficou director. A Galeria era um espaço gigantesco, não ia ninguém lá. Era um pavilhão que ficou da Exposição do Mundo Português e estava desactivado. Trabalhava lá o João Vieira, eu e meia dúzia de contínuos (e depois, já em 1980, o António Cerveira Pinto). Tentámos dinamizar o espaço e fizemos lá exposições, fizemos uma retrospectiva do Vostell... E dentro do nosso programa de exposições para dinamizar o espaço, estão as “Lises”.

As “Lises” são uma ideia exclusiva do Fernando Calhau, que o David Mourão-Ferreira a única coisa que fez foi dar-lhe a assinatura e o beneplácito. O meu trabalho na Lis’79 foi o de ajudar em toda a organização antes da chegada do júri e na montagem da exposição, já depois do júri ter escolhido as obras e se ter ido embora.


O que o Calhau queria era fazer aquilo que todos nós queríamos na altura: pôr Portugal no mapa da arte contemporânea. Pensou que estava ao nosso alcance organizar uma bienal deste género, como forma de cá trazer artistas estrangeiros, chamar a imprensa estrangeira... e não há dúvida que começaram a vir, temos a prova agora.
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A ideia de uma exposição de desenho surgiu por uma questão económica. Naquela altura, agarrava-se em dois pedaços de papel, metia-se num tubo e estavam cá os desenhos. Qualquer artista, mesmo conhecido, metia os desenhos no correio e já estava; não se gastava dinheiro em transportes, não havia seguros... Foi essa facilidade, logística e económica, que levou o Calhau a escolher o desenho, tornava tudo mais “portátil”.


Eu e o Calhau, como sócios da Cooperativa Gravura, conhecíamos bem as bienais de gravura que então existiam. Era o mesmo sistema: enrolar as gravuras dentro de um tubo e enviar. O Calhau soube, entretanto, da existência da Bienal de Desenho em Rijeka, na Jugoslávia, era a International Drawing Biennial, e foi ela que lhe deu a ideia para a Lis’79, achou que nós teríamos tanta capacidade para organizar uma coisa daquelas como os jugoslavos.
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A ideia de fazer uma exposição de Almada Negreiros era a de estabelecer um contraste com a Bienal. Lembro-me que o Calhau quis que se fizesse uma homenagem a um artista cujo principal enfoque fosse no desenho e que fosse uma figura tutelar da cultura portuguesa. Escolheu-se o Almada: porque estava morto, porque naquela altura estava muito na moda, porque o Ernesto de Sousa reavivara a memória do Almada... Todas essas coisas se juntam para formar uma teia: nós estávamos muito relacionados com o Ernesto e é natural que isso tenha levado à escolha do Almada, mas de qualquer modo era uma escolha indiscutível porque era um artista português consagrado, era um clássico que não era um clássico e que de certa maneira personificava aquilo que se pretendia que a Bienal fosse, mas muitos anos antes; foi um artista que na sua altura teve atitudes revolucionárias em relação ao seu trabalho.
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Quem convidou o José-Augusto França para escrever o texto de catálogo sobre o Almada Negreiros foi o Calhau, porque é preciso perceber que o Ernesto defendeu e utilizava o Almada, mas estava mais do lado dos artistas que participavam na Bienal do que do lado do Almada. O Ernesto não queria ser um historiador na altura, queria antes ser um “operador estético” actuante. Mas terá havido outra razão aí: o Calhau era muito político, tinha um lado extremamente diplomático. Penso que ele queria chamar todos os lados da crítica para a Lis’79. Se o Ernesto de Sousa fizesse o texto, a Lis’79 seria vista como uma exposição do Ernesto de Sousa e seus muchachos, uma coisa só com artistas contemporâneos, o que era aberrante na altura; mas se tivesse uma figura tutelar como o José-Augusto França a atenção sobre a Lis’79 poderia ser mais abrangente. Eu creio que isso deve ter tido alguma importância.
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A recepção do público foi óptima, foi muita gente, muita imprensa, a exposição estava sempre cheia e chamou uma quantidade de público a Belém – e naquela altura não existia o Centro Cultural de Belém... Uma das coisas que se pretendia, que era dinamizar aquele espaço e aquela área, resultou plenamente.
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Eu e o Calhau éramos os melhores amigos, mas sempre fomos muito diferentes, e também nas expectativas. Em relação à participação internacional, eu sei que ele ficou contentíssimo porque correu como ele esperava (esperando que a segunda edição fosse melhor, obviamente). Em relação a mim, ficou abaixo das expectativas, porque eu quero sempre mais.
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Não houve falta de contactos entre os membros do júri e a Direcção-Geral porque a Direcção-Geral não era nada, era o Calhau. O júri esperava contactos a um nível superior, só que a Direcção-Geral estava-se nas tintas porque a Lis era tratada como um ser exterior. A única coisa que interessava naquela altura era a estrutura política do país, a estrutura cultural era indiferente. No fundo tratava-se de políticos que não se interessavam pela questão cultural, nem pelo acompanhamento que uma coisa deste género deveria ter.

O facto é: que mais contactos a Lis’79 podia fazer? Ela foi feita por uma pessoa, o Calhau foi a única pessoa a tratar de tudo: escolheu os artistas, escolheu o júri, desenhou o catálogo, fez tudo sozinho. Foi um one-man job. Sendo o trabalho de uma pessoa só, é óbvio que teve problemas. O Calhau nunca tinha feito uma coisa destas na vida e ele próprio reconhecia isso, dizia: “Vamos fazer a exposição e depois ver tudo o que está mal.” E foi ele próprio que pediu ao júri para dizer o que estava mal para na segunda edição emendar. Todas as ressalvas que o júri fez nas actas das reuniões foram feitas com a aprovação do Calhau, que estava de acordo com elas.
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Em Agosto de 1981, houve as reuniões do júri das quais eu fiz parte enquanto funcionário da Direcção-Geral (e porque nesse ano já não era um dos artistas concorrentes). Deixámos as obras todas no chão, onde elas foram vistas (era o chão inteiro coberto de desenhos...). Tínhamos começado a colocar dentro dos rolos, para devolver, os desenhos que haviam sido recusados pelo júri, e entretanto os restantes foram ficando no chão, para começarem a ser emoldurados e se dar início à montagem.


Lembro-me de vir de comboio do Estoril, onde então morava, para Belém, e de ver uma grande coluna de fumo e bombeiros, e estava tudo a arder! Aquilo era tudo estafe e papel, é preciso ver que era um pavilhão provisório da Exposição do Mundo Português de 1940 que foi ficando de maneira provisoriamente definitiva.


O mais lógico que aconteceu foi um curto-circuito. Era verão, estava muito calor, e com um curto circuito é naturalíssimo que tenha ardido num instante. Ardeu imensa coisa e à boa maneira portuguesa, não havia seguros para nada.
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A Galeria estava num estado muito precário, eu muitas vezes pensava nisso; eu e outras pessoas, seguramente. A decisão do Vasco Pulido Valente, em não investir na Galeria de Belém porque iria ser demolida, com todos os defeitos ou problemas que possa ter, faz sentido. Deveria ter sido deitada abaixo para se construir outra coisa, porque como estava era um barracão. E a prova é que ele teve razão.
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O que comprometeu definitivamente a Bienal foi fundamentalmente a atitude do Fernando Alçada, o director-geral, que foi a seguinte: quando se soube, internacionalmente, do incêndio, recebi uma carta do Rudi Fuchs, lamentando o sucedido e dizendo que já tinha falado com o Carl Andre, o Baselitz, o Kiefer, o Don Judd, o Richter, etc., e tinham uma ideia que era cada um deles oferecer uma obra a Lisboa para a constituição de um novo museu de arte contemporânea, uma vez que a Galeria de Belém tinha ardido e muitas das obras que lá estavam também. A atitude do Fernando Alçada foi de desconfiança e quis estabelecer uma comissão, com o José-Augusto França e outros, para averiguar se as obras oferecidas teriam qualidade para figurar num museu de arte contemporânea... Não me deu autorização nem a mim nem ao Fernando Calhau para responder à carta do Fuchs, que ainda enviou uma segunda carta perguntando se a primeira tinha chegado, e o Fernando Alçada nunca autorizou qualquer resposta, até hoje.

O incêndio nunca deveria ter acontecido, não há justificações nenhumas... mas aconteceu, e nesse caso a resposta deveria ter sido outra; tendo acontecido e tendo havido a resposta do Estado que houve, que é não haver resposta nenhuma e recusar as ofertas que tinham sido feitas, isso deu cabo que qualquer hipótese da Bienal ter continuidade. Se não tem havido o incêndio e a resposta não tem sido a que foi, as coisas teriam mudado e evoluído de uma maneira completamente diferente, tenho a certeza absoluta. Esta Bienal era capaz de continuar ainda hoje, tenho a certeza.