4.10.09

OGIVA GALERIA DE ARTE, 1970-1974
"O risco de sair da norma"


© José Aurélio
Momento lúdico na festa do 2º aniversário da Ogiva (16 Nov. 1972); ao centro, José Aurélio, director da Galeria



À primeira vista, é paradoxal: se houve um tempo certo para a Galeria Ogiva existir, foi aquele em que as suas portas estiveram abertas, na Rua Direita de Óbidos, entre Novembro de 1970 e Janeiro de 1974. Esse foi o tempo em que o extremo cansaço face ao regime político que acanhava a vida cultural portuguesa saudou o projecto participativo e solar da Ogiva. Mas foi da mesma época a crua realidade económica e profissional que esmagou o seu programa a contra-corrente, pondo à vista as suas fragilidades e impondo-lhe o encerramento.


Ainda assim, a Ogiva conseguiu algo da ordem do improvável: cativar para um mesmo lugar várias “famílias” artísticas que, antes e depois, percorreriam melhor ou pior os seus próprios canais de circulação e reconhecimento, mas que em Óbidos encontraram um terreno favorável a todos. A exposição inaugural testemunha isso: Alberto Carneiro esteve lá. António Palolo esteve lá. Vespeira esteve lá. Helena Almeida esteve lá. Jorge Pinheiro esteve lá. Lourdes Castro esteve lá. Noronha da Costa esteve lá. João Abel Manta esteve lá. Ângelo de Sousa esteve lá. Na verdade, toda a gente parece ter estado em Óbidos nessa altura.


“Lugar de encontro” de artistas e de propostas estéticas

No princípio era uma pequena loja, instalada desde 1966 numa antiga mercearia e conduzida pelo escultor José Aurélio e sua mulher Alice. Compravam nas feiras do Norte palmitos de Viana do Castelo e artesanato de Rosa Ramalho e Mistério para comercializar na loja, e organizavam bem sucedidas vendas de Natal de múltiplos de arte de autores como Espiga Pinto, Rogério Ribeiro, Fernando Conduto, António Areal, Zulmiro de Carvalho, Ângelo de Sousa, Armando Alves e Helena Almeida.


A loja trazia gente de fora a Óbidos, atraída por algo mais que as suas vielas pitorescas. Começava a formar-se uma dinâmica artística interessante e José Aurélio era o seu responsável. De facto, a Ogiva é impensável sem a personalidade deste escultor oriundo de Alcobaça que vivia há anos entre Óbidos e as Caldas da Rainha, devido à sua colaboração com a fábrica de cerâmica SECLA, e que tinha muita vontade de pôr em prática a sua convicção de que aos artistas cabia também um papel na construção das estruturas de divulgação e de viabilização da sua actividade.


A itinerância que, nos anos de formação, levara Aurélio a Lisboa e ao Porto fez o resto, isto é, trouxe-lhe a amizade de boa parte do meio artístico nacional, fundamental na hora de angariar apoios para um ambicionado crescimento da Ogiva. Nessa altura, Rogério Ribeiro, Espiga Pinto e Eduardo Nery foram os artistas que mais cumpriram os papeis de consultores e colaboradores nos vários aspectos museológicos e funcionais relativos à implementação do novo projecto. A estes contributos juntaram-se, já numa fase posterior, os de Alberto Carneiro, Costa Pinheiro, Jorge Pinheiro e Vespeira.


Os dois anos que mediaram entre a compra e a inauguração do novo espaço na Rua Direita de Óbidos, entre 1968 e 1970, assistiram à passagem da anterior loja a galeria de arte, através de um projecto de arquitectura (cuja maqueta, entretanto perdida, Ângelo de Sousa ainda hoje gaba), desenhado pelo próprio José Aurélio, que permitia a realização de exposições, concertos e encontros e servia um programa claro: levar a modernidade a Óbidos, promover a arte portuguesa contemporânea e articulá-la com outras expressões de cariz cultural.


E, enquanto a Ogiva durou, aí decorreram várias exposições colectivas, como a inaugural “35 artistas”, a “Homenagem a Josefa” d’Óbidos, e a “9x5”, que levaram a Óbidos obras, na sua maioria inéditas, de (e para além dos artistas já citados) Ana Vieira, Artur Rosa, Carlos Calvet, António Charrua, Fátima Vaz, Graça Morais, Jaime Silva, João Machado, José Escada, João Cutileiro, João Vieira, Joaquim Rodrigo, Jorge Martins, José Rodrigues, Manuel Baptista, Menez, Nikias Skapinakis, René Bertholo, Sá Nogueira, entre outros. No capítulo das exposições individuais, mostraram-se os trabalhos de Espiga Pinto, Alberto Carneiro, António Areal, Sam, Helena Almeida, Rogério Ribeiro, Jorge Pinheiro, Ana Vieira, Júlio Bragança e José Aurélio, para além de um trabalho colectivo de Artur Rosa, Helena Almeida e José Aurélio.


A celebração do segundo aniversário da Galeria, no dia 16 de Novembro de 1972, foi um dos pontos altos do seu percurso e revela-nos tudo aquilo que a Ogiva podia oferecer. Esclarece, também, a afirmação de José Aurélio, em entrevista à L+arte: qualquer “inauguração na Ogiva era um acontecimento quase nacional” que atraía pessoas de Lisboa, do Porto, de Coimbra e de toda a região Oeste. Com efeito, e em clima de euforia e festa, houve um bolo de anos gigante, balões com o logótipo da Galeria impresso, prendas para a “menina Ogiva” (enviadas ou entregues em mão por inúmeros artistas e individualidades e por galerias como a Interior ou a Judite Dacruz) e até a banda local tocando pelas ruas. Centenas de pessoas ocuparam o amplo espaço da galeria e assistiram ao “concerto simultâneo e sucessivo pelo Grupo de Música Contemporânea orientado por Jorge Peixinho e um agrupamento de jazz”(1), e à improvisada “conferência-provocação” de Ernesto de Sousa sobre o seu encontro com Joseph Beuys na Documenta de Kassel. Com o rés-do-chão ocupado com obras dos artistas que colaboravam com a Ogiva, criou-se ainda uma zona que expunha a documentação até então produzida sobre as actividades da Galeria.


Hoje, os artistas que viveram por dentro o espírito da Ogiva recorrem a expressões como “lugar de encontro”, “comunhão de ideias”, “projecto utópico”, “espaço de afectos”, o que caracteriza bem a nostalgia por um tempo que se cria pleno de possibilidades. A Ogiva, como lembra Manuel Baptista, “foi das primeiras galerias que apareceram”, fora de Lisboa e do Porto, “com exposições de qualidade.” Volvidos estes anos todos, são memórias que oferecem um brilho especial, de jóia discreta, a esse passado entesourado na Rua Direita de Óbidos. O que é que a Ogiva proporcionava, afinal, a quem lá expunha, que não existia em mais lado nenhum?


Em primeiro lugar, um bom espaço. Os três pisos da Ogiva ofereciam boas áreas expositivas, que comunicavam visualmente entre si através de mezaninos. Portas e janelas traziam o exterior para dentro da Galeria e davam acesso a pequenos terraços. Como diz Ana Vieira à L+arte, “ter mostrado na Ogiva um novo ‘ambiente’ funcionou mais como uma oportunidade de o realizar, porque não havia muitos locais para expor (…) qualquer coisa que saísse de uma determinada escala, mais comercial.”


Uma relevante questão de escala, portanto, e uma questão de risco, também. Na Ogiva era possível desenvolver projectos que se sabia à partida não serem vendáveis e a variedade de linguagens, formatos e escalas era bem-vinda. As galerias existentes na altura, no país, não ofereciam condições tão acolhedoras. Tirando as institucionais FCG e SNBA (e o SEIT, onde uma larga maioria de artistas se recusava a expor), as opções dividiam-se entre as galerias de vocação cultural mas cujos espaços eram mais ou menos exíguos (a Buchholz, a Quadrante e a Diário de Notícias, em Lisboa; a Divulgação, no Porto e em Lisboa; a Alvarez, no Porto) e as galerias assumidamente comerciais (a Judite Dacruz, a São Mamede, a Interior, a Dinastia e, a partir de dada altura, a 111, todas em Lisboa, e a Alvarez 2, no Porto).


Um outro factor importante para a Ogiva era a própria localização descentralizada em relação a Lisboa e Porto que, não obstante as tradicionais dificuldades de mobilização efectiva dos públicos locais, fazia de Óbidos, realmente, um lugar de encontro para os artistas. Nessa altura, inclusivamente, vários artistas tinham casa de férias na vila, ou lá passavam vários fins de semana, como António Areal, Rogério Ribeiro, Espiga Pinto e Jorge Pinheiro, para além de José Aurélio, que lá tinha habitação permanente. A presença regular destes artistas contribuía, para além das afinidades ideológicas e da comum convicção nas responsabilidades culturais que lhes assistiam, para um maior envolvimento no projecto da Ogiva. Espiga Pinto lembra-se como foi sempre “ajudando, desde a montagem das exposições até ao atendimento de visitantes, tudo sem honorários”. Estabelecia-se, com efeito, uma rede de cumplicidades em que alguns artistas sentiam a Ogiva como sendo também um pouco “sua”, o que só por si justificava o seu funcionamento.


Para compensar o transtorno das deslocações a quem vinha de fora, abriam várias exposições no mesmo dia, sempre aos sábados, acompanhadas de sessões musicais (a cargo do Grupo de Música Contemporânea, António Vitorino de Almeida, Olga Pratts ou Maria João Pires), lançamentos de livros (caso da “Confissão tenebrosa” de António Areal, editada pela própria Ogiva) ou apresentações de novos múltiplos e medalhas. Havia a preocupação de documentar as actividades através de elaborados catálogos (uma raridade na altura), folhetos ou cartazes, desenhados por Aurélio (excepto o primeiro, da autoria de Espiga Pinto) e custeados ou pela Galeria ou pelos artistas (que também desenhavam, por vezes, os folhetos das suas próprias exposições).


Procurava-se fazer da ida a Óbidos um acontecimento, o que resultava. O ambiente era de festa, espectáculo e participação, o que tinha, por si só e nesses anos, a ressonância estética e artística que hoje lhe conhecemos. E houve alguns encontros felizes, como aquele que sucedeu entre Ernesto de Sousa e elementos do Círculo de Artes Plásticas de Coimbra, ocasionando a partir daí uma colaboração de muitos anos.

Lugar de encruzilhada: a crítica e o mercado
A crítica manteve-se silenciosa sobre as actividades da Ogiva. Fosse pela dificuldade das deslocações (então mais premente), pela possibilidade de acompanhar o percurso de boa parte dos expositores sem sair do circuito galerístico lisboeta ou portuense, ou por simples desinteresse, o facto é que a Ogiva está ausente da escrita de imprensa de José-Augusto França, Rui Mário Gonçalves, ou Fernando Pernes. De resto, a Galeria preferiu um caminho alternativo aos circuitos habituais de divulgação: nas vésperas da primeira inauguração, a conferência de imprensa quis-se apenas local e toda a divulgação futura excluiria o envio de comunicados de imprensa.


Dispensar a crítica foi um gesto de afirmação dos próprios artistas, insatisfeitos com os critérios de mediação entre a arte e o público que os críticos promoviam. Foi uma atitude corajosa e, ao mesmo tempo, ingénua, que acabaria por ser fatal, como José Aurélio hoje reconhece, face à consolidação do estatuto profissional dos críticos de arte desde um Encontro (em 1967 e à margem da inoperante Secção Portuguesa da AICA) organizado por Adriano de Gusmão, José-Augusto França e Nuno Portas, onde se discutiram os pressupostos técnicos e teóricos da sua actividade, a sua distinção face ao jornalismo noticioso e o seu papel enquanto serviço cultural prestado à comunidade.


Para além das relações enviesadas com a crítica, as circunstâncias do mercado também permitem compreender o lugar de encruzilhada que acabou por calhar à Ogiva. A fase política que o País atravessava mostrou-se cooperante no início: a subida de Marcelo Caetano a Presidente do Conselho, em 1968, deixou antever o fim da ditadura e da guerra colonial. Mas, nos seis longos anos que se seguiram, a frente de guerra intensificou-se e as esperanças mais optimistas esgotaram-se. Várias facções da oposição ao regime, antes pouco comunicantes entre si, aproximaram-se, o que se traduziu, no caso da programação da Ogiva, numa inédita convivência de linguagens heterogéneas que, desde a pintura à instalação, fazia confluir actualizações de passados surrealistas ou neo-realistas com a nova figuração ou as propostas mixed media. Havia “liberdade criativa, (…) apelativa e necessária”, recorda Ana Vieira, porque, diz Jorge Pinheiro, a Ogiva “não representava artistas, nem trabalhava uma orientação estética: tinha amigos.”


Mas a agitação do mercado, fruto da relativa liberalização económica da primavera marcelista, trouxe alterações sensíveis ao meio artístico. A partir de finais dos anos 60, novas galerias surgiram com claros objectivos comerciais, apostando na pintura enquanto suporte rentável dirigido a coleccionadores. Grupos do ramo automóvel, industrial e banqueiro patrocinaram prémios artísticos como o GM, Guérin ou Soquil (desde 1968), BPA (1970) ou Mobil (1971), que decorreram em salões como os da SNBA e contaram, nos seus júris, com críticos de arte e artistas que, de resto, discutiram na praça pública a ética da presença de uns e outros nestas iniciativas empresariais de tipo mecenático mas também publicitário.


A cotação das obras de arte subiu em flecha, primeiro dos modernistas (Eduardo Viana, Almada Negreiros, Vieira da Silva) e, quando o mercado adquiriu confiança, das novas gerações, de que Noronha da Costa ficou como paradigma. Desde as aquisições milionárias do banqueiro Jorge de Brito à exibição de automóveis fabricados pelas empresas patrocinadoras nos salões expositivos (desengane-se quem pense que este é um fenómeno de tempos mais recentes), a relativa euforia do mercado artístico foi embotando o discernimento quanto ao valor real da arte, ao ponto de críticos como José-Augusto França e Rui Mário Gonçalves (eles próprios anteriormente agentes da explosão do mercado, através da crítica de arte e da presença em júris) começarem a expressar as suas dúvidas acerca dos benefícios efectivamente artísticos resultantes da especulação do mercado, para além do enriquecimento de alguns investidores, marchands e artistas.


A inflação que disparou com a crise petrolífera de 1973 e a Revolução de Abril de 1974 impuseram um fim abrupto à situação, deixando sequelas: as galerias comerciais encerraram e o mercado da arte morreu. A Ogiva, aparentemente à margem destes cenários especulativos, não deixou de sofrer os seus efeitos. Instalada sossegadamente no ambiente caiado e medieval de Óbidos, procurando transformar a descentralização numa vantagem, não quis ver, ou achou que poderia superar, os factos que, a partir de uma dada altura, lhe entraram porta dentro: gradualmente, e devido aos contratos de exclusividade com galerias como a 111 e a Judite Dacruz, vários artistas começaram a afastar-se da Ogiva e a obter reconhecimento noutras paragens, o que, juntamente com a ausência de uma estratégia comercial por parte da Galeria, conduziu ao seu fecho no início de 1974.


Nas vésperas do 25 de Abril, a Ogiva já não tinha a mesma capacidade de sedução. Um projecto desenvolvido por artistas, viabilizando a criação de projectos autorais, recusando os intermediários do costume (críticos e marchands) e com meios incipientes de auto-sustento, não poderia sobreviver sem uma mais pragmática visão da realidade que se vinha impondo no meio. Mas, mesmo que tenha pecado pela confiança excessiva na possibilidade de funcionar apenas com e para os artistas, voltando as costas aos outros agentes da comunidade artística, ainda assim a Ogiva concretizou, no terreno e durante pouco mais de três anos, uma utopia significativamente construída na primeira pessoa do plural.



Catarina Rosendo


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(1) Ernesto de Sousa, “Artes plásticas. Dois anos”, Lorenti’s, nº 12, Lisboa, Abr. 1973, p. 54.




Agradecimentos

Ana Vieira
Ângelo de Sousa

Armazém das Artes

Carlos Natividade Correia

Espiga Pinto

Fernando Santos

Jorge Pinheiro

José Aurélio

Manuel Baptista

Nikias Skapinakis




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IMAGENS



© José Aurélio
Um enorme bolo de anos assinala o aniversário da Ogiva. Perto do bolo, à esquerda, Fernando Grade; junto à janela, Carlos Natividade Correia, Ana Hatherly e António Areal


© José Aurélio
Nas celebrações do 2º aniversário, visitantes chegam carregando uma prenda para a Ogiva



© José Aurélio
O director da Ogiva, José Aurélio e, um pouco atrás, Helena Almeida, entre prendas e obras criadas para a celebração do 2º aniversário da Galeria



© José Aurélio
A arquitectura interior da Ogiva permitia a ligação de vários espaços entre si. Ernesto de Sousa e Isabel Alves (na foto em baixo, ao centro), na festa de aniversário da Ogiva



© José Aurélio
Concerto da festa do 2º aniversário da Ogiva


© José Aurélio
Aspectos da exposição comemorativa do 2º aniversário da Galeria


© José Aurélio
Exposição da documentação produzida ao longo dos dois anos de existência da Galeria, no aniversário da Ogiva



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EXPOSIÇÕES NA OGIVA
Cronologia cedida pelo Armazém das Artes

1970
28 Novembro

Inauguração da Galeria com a exposição colectiva “35 artistas” (Alberto Carneiro, Ângelo de Sousa, António Sena, Armando Alves, Artur Rosa, Aurélio, Carlos Calvet, Charrua, Conduto, Costa Pinheiro, Eduardo Luís, Eduardo Nery, Escada, Espiga Pinto, Helena Almeida, João Abel Manta, João Cutileiro, João Vieira, Joaquim Rodrigo, Joaquim Vieira, Jorge Martins, Jorge Pinheiro, José Rodrigues, Lourdes Castro, Manuel Baptista, Maria Velez, Menez, Noronha da Costa, Nuno de Siqueira, Palolo, René Bertholo, Rogério Ribeiro, Sá Nogueira, Vespeira, Zulmiro de Carvalho)

1971

27 Março

Exposição individual “Espiga Pinto. Pintura”
Exposição individual “Alberto Carneiro. O laranjal – natureza envolvente, 1969”
15 Maio

Exposição “As Bambinelas” (Artur Rosa, Helena Almeida, José Aurélio)
Exposição individual “António Areal. Paisagens”
Sessão musical com Alexandro Ramirez, António Oliveira e Silva, António Pinto Barbosa, António Reis Gomes, Artur Moreira, Carlos Franco, João Ramos Jorge, João Ruivo, Jorge Peixinho, Manuel Pinto Barbosa, Maria Clotilde Rosa, Vasco Henriques
27 Novembro

Exposição colectiva “Homenagem a Josefa” (Alberto Carneiro, Ana Vieira, Ângelo de Sousa, António Mendes, António Areal, Armando Alves, Artur Rosa, Aurélio, Carlos Calvet, Espiga Pinto, Fátima Vaz, Flávia Monsaraz, Gustavo Bastos, Helena Almeida, Isabel Laginhas, João Machado, João Vieira, José Cândido, José Rodrigues, Jorge Pinheiro, Lourdes Castro, Nikias Skapinakis, Rogério Ribeiro, Vespeira)
Lançamento do livro “Confissão Tenebrosa. Primeira parte da autobiografia agora em edição ilustrada pelo autor”, de António Areal
Exposição colectiva “3 Pintores de Óbidos” (Barbosa, Canário, Lyon)
Concerto “Música para Josefa” (António Pinto Barbosa, Dulce Cabrita, João Ruivo, Manuel João Afonso, Manuel Pinto Barbosa, Olga Pratts, Vasco Henriques)

1972

5 Fevereiro

Exposição individual “Sam. O Funil”
Exposição individual “Helena Almeida. Desenhos”
Exposição individual “António Areal. Desenhos”
Sessão musical com Fernando Serafim, José Lopes e Silva, Olga Pratts
29 Abril
Exposição individual “Rogério Ribeiro. Pintura”
Exposição individual “
Jorge Pinheiro. 9 Variações sobre um Tema”
Exposição individual “Ana Vieira. Ambiente”
Sessão musical com Maria João Pires
29 Julho
Exposição individual “Júlio Bragança. Máquina Cinética”
Exposição “Colectiva 32” (Abel Mendes, Alberto Carneiro, Ângelo Alves, António Mendes, Alexandre
Falcão, António Areal, Aurélio, Carlos Barreira, Carlos Calvet, Dario Alves, David Evans, Eduardo Nery, Espiga Pinto, Fátima Martins, Graça Morais, Helena Almeida, Helena Lapas, Helena Magalhães, Jaime Silva, João Machado, João Pinheiro, Lídia Sá, Manuel Baptista, Maria Cabral, Maria João Liz, Maria José Aguiar, Martins Pereira, Natividade Correa, Rodrigo Gaspar, Rogério Ribeiro, Victor Rocha)
16 Dezembro
Exposição colectiva “Ogiva 2 anos” (participação de numerosos artistas na comemoração do segundo aniversário da Galeria; exposição das prendas e do bolo de aniversário)

1973
2 Junho
Exposição individual “Alberto Carneiro. Céu, água, terra, fogo”
Exposição individual “Herbert Pagani. Megalopolis”
Exposição colectiva “9x5. 5 Inéditos de 9 Artistas” (Alberto Carneiro, António Mendes, António Areal, Aurélio, Eduardo Nery, Espiga Pinto, Helena Almeida, Jorge Pinheiro, Rogério Ribeiro)
27 Novembro

Exposição individual “José Aurélio. Esculturas”
Sessão musical com António Vitorino de Almeida

1974
Janeiro

Encerramento da Galeria




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ENTREVISTA E DEPOIMENTO
S


José Aurélio

Artista, ex-director da Galeria Ogiva

Entrevista realizada no Armazém das Artes, Alcobaça, em 11.08.2009


Como surgiu a ideia de criar uma galeria de arte? Quais são os antecedentes, e as suas motivações?


Eu fui viver para Óbidos numa fase da minha vida em que tinha sido convidado para trabalhar na SECLA das Caldas da Rainha, onde durante oito anos fui o responsável pela parte criativa da fábrica. Convidei o António Quadros para ir trabalhar comigo, na sequência de uma tradição que a fábrica já tinha de colaboração com artistas, como o Júlio Pomar, a Alice Jorge, a Hansi Stael e o Thomaz de Mello.


Óbidos na altura era uma terra abandonada, havia meia dúzia de lojas, era tudo muito primitivo. Hoje, 50 anos depois, nem se acredita. Os tempos eram outros, havia uma grande tranquilidade em Óbidos. E, quase sem querer, comprei uma casa muito pequenina em Óbidos, e comecei a fazer obras nela. Nessa altura ainda estava a estudar nas Belas Artes, passava três dias nas Caldas, onde tinha um quarto dentro da própria SECLA e ia os outros dias para Lisboa. Depois de arranjar a casa de Óbidos, naturalmente, passei a viver lá e já ia às Caldas só para trabalhar.


Entretanto casei-me com a Alice, que também tinha o curso de Belas Artes e era professora. Começámos a pensar abrir uma loja de venda de artesanato. Alugámos uma antiga mercearia, cujo dono entretanto tinha morrido, e abrimos uma loja, a primitiva Ogiva, com a colaboração de alguns artistas, dentre os quais destaco Rogério Ribeiro, Espiga Pinto e Jorge Pinheiro.


Chamámos-lhe Ogiva porque havia um arco muito bonito (que ainda lá está) que fazia a passagem da primeira para a segunda sala e que correspondia originalmente à parede da fachada exterior (tudo leva a crer que a Rua Direita de Óbidos era mais larga do que é hoje e, depois do terramoto de 1755, as pessoas aproveitaram os entulhos e reconstruíram as paredes de fachada um pouco mais à frente).


Isto foi em 1966 e, como a Alice é do Norte, começámos a ir às feiras do Norte à procura do artesanato de boa qualidade que naquela altura ainda se encontrava nas feiras, coisas da Rosa Ramalho, do Mistério, palmitos de Viana do Castelo, etc.


Começámos a vender esse artesanato de boa qualidade e simultaneamente começámos a convidar artistas – o Espiga Pinto, o Rogério Ribeiro, o Fernando Conduto, o António Areal, o Zulmiro de Carvalho, o Ângelo de Sousa, o Armando Alves, a Helena Almeida, e outros – para fazer um “Natal em Óbidos”, uma venda de múltiplos de arte feitos pelos artistas. Com esta iniciativa, levámos muitas pessoas a Óbidos e vendemos uma brutalidade, ninguém imagina a quantidade de gente que veio de Lisboa e do Porto para comprar coisas. E nós ficámos entusiasmados.


Em 1968, houve um jantar em minha casa, com vários artistas, e começámos a falar em criar uma galeria a sério em Óbidos, o que já estava quase implícito no projecto da Ogiva “Pequena”. Com o Estado Novo e todas as situações estranhas que se viviam em relação às artes, havia uma série de gente interessada e empenhada em avançar com um processo desses e nasce a ideia de um espaço maior que mostrasse algo que na altura não tinha visibilidade, que era a arte moderna portuguesa.

Assumi, com o entusiasmo de todos, o compromisso de encontrar um espaço onde se pudesse concretizar a ideia. Havia uma casa na altura, completamente em ruínas, que estava à venda há vários anos mas ninguém comprava, porque era grande e implicava muitas obras. A casa estava à venda por 150 contos e eu não podia dar esse valor. Falei com o responsável pela venda, que era o então presidente da Câmara, no sentido de obter um preço mais razoável, na medida em que estavam implicados objectivos culturais importantes para Óbidos. Ofereci 100 contos pela casa, mas só até ao último dia do ano. Na véspera do Ano Novo, às onze da noite, recebo um telefonema a entregarem-me a casa pela minha oferta.

Comprei a casa e comecei a fazer o projecto. Fiz uma maqueta em balsa à escala 1:10, que tenho pena se tenha perdido. Em Março tivemos uma reunião para discutir os aspectos museológicos e funcionais do projecto, sobretudo com o Rogério Ribeiro, que era um homem que tinha muita experiência dessas coisas. Avançámos com o projecto, fui à Câmara pedir uma licença para recuperar a casa e as obras começaram no verão de 1969 e demoraram pouco mais de um ano. Ainda demorámos algum tempo a preparar a primeira exposição e acabámos por inaugurar em Novembro de 1970.


Quando fala em “nós”, a quem se refere, para além de si, claro, que era o dono da Ogiva, e da sua mulher Alice?


Refiro-me ao Rogério Ribeiro, que foi praticamente quem trabalhou mais, ao Espiga Pinto, que também deu um apoio muito forte, ao Eduardo Nery, que durante algum tempo também ajudou. Mas fundamentalmente foi o Rogério o meu maior apoio. Embora eu gerisse a Galeria, ele aparecia muitas vezes. Houve uma altura até em que ele também teve uma casa alugada em Óbidos. Era um homem que estava sempre disponível: ou fazia a serigrafia, ou fazia o desenho, ou dava sugestões, ou propunha um arranjo novo para qualquer coisa. Era quem me dava confiança para avançar.


Houve também, numa fase posterior à inauguração da Ogiva, o apoio, muito importante, de outros artistas, como o Alberto Carneiro, o Costa Pinheiro, o Jorge Pinheiro e o Vespeira.


Para além desse programa que me falou, que era mostrar obras de artistas portugueses, que outros objectivos estavam implícitos na criação da Ogiva?


Nunca houve interesses comerciais, creio que no total vendemos três ou quatro peças. O fundamental era sentir que havia artistas que eram segregados sistematicamente (como ainda hoje acontece), gente que ficava nas franjas por razões políticas ou estéticas, mais ou menos esquecida e que não deviam estar.


Havia também outro objectivo: era importante que em Óbidos houvesse um sinal de modernidade. As pessoas que vinham de fora achavam muita graça às janelas floridas e a esse lado pitoresco de Óbidos, mas havia gente a morar lá dentro, havia vida por detrás das janelas. Era preciso, no fundo, equipar culturalmente a terra e a pouco e pouco essa ideia foi-se consolidando e houve muitos artistas a sentir o mesmo.


Para além da actividade expositiva, quando é que decorriam outros acontecimentos, como os saraus de música?


Normalmente aconteciam nas inaugurações das exposições. A intenção, desde o início, era fazer três ou quatro exposições por ano, que se mantinham durante três meses, e nós concentrávamos várias actividades no dia da inauguração porque as pessoas deslocavam-se, em grande parte, ou do Porto, ou de Coimbra, ou de Lisboa. Não se justificava muito estar a obrigar a deslocações nos tempos intermédios.


Como encarava o facto de a Ogiva não estar em Lisboa ou no Porto? Este carácter descentralizado da Ogiva foi benéfico ou prejudicial para as actividades da Galeria?


Nunca pensei muito nisso, e se calhar já não sou capaz de lhe responder. Se a Galeria tivesse uma intenção comercial, é evidente que seria negativo, mas ela não nasceu com esse cariz.


O facto de ser em Óbidos, significou um descentralizar que naquela altura era já uma atitude de vanguarda. Quando nós fechámos, antes do 25 de Abril, eu pedi para ser recebido pelo Azeredo Perdigão, para tentar obter o apoio da Gulbenkian para manter a Galeria aberta. Como resposta perguntou-me, “Você ainda acredita na descentralização cultural?” É espantoso ele ter-me dito isso.


Mas dá-me um certo gozo hoje, ao fim de quarenta anos, perceber que a Ogiva é uma referência importantíssima nas artes plásticas do século XX em Portugal. Isso compensa tudo o resto; o próprio desaire que a Galeria sofreu, sobrevivendo pouco mais de três anos, reflecte o estado em que o País estava, não havendo condições para manter uma casa daquelas aberta.


A comunidade de Óbidos reconhecia a Ogiva como um projecto interessante?


Sim, mas sem a utilizar. A inserção na comunidade fazia-se mais ao nível das Caldas da Rainha, que era um centro cultural importante na altura. Quando havia qualquer inauguração na Ogiva, as pessoas das Caldas caíam em peso lá, tal como as de Alcobaça e do Bombarral, para além das de Coimbra, Lisboa e Porto.


É difícil hoje ter essa percepção, mas naquele tempo uma inauguração na Ogiva era um acontecimento quase nacional, porque havia muito pouco. Toda a gente com interesse cultural falava sobre as actividades da Ogiva e as pessoas vinham, estavam e gostavam de estar.


Tem a noção do número de visitantes que a Ogiva em média tinha?


Não sei, mas isso está anotado num caderno, é possível saber-se isso.


Que tipo de público frequentava a Ogiva, no dia-a-dia?

Fundamentalmente eram os turistas. Não havia tanta gente a viajar como há hoje, mas já havia muita gente. A Ogiva cobrava cinco escudos por visita, que não era muito, mas durante esse tempo a galeria manteve-se com essa receita, para além de se venderem peças de arte popular que ainda mantivemos durante bastante tempo, bem como umas medalhas e uns múltiplos de arte, que se iam vendendo sempre. Mas nunca ganhámos dinheiro.


Não tiveram nenhum apoio da Câmara Municipal?


Não, económico nunca tivemos.


Mas na exposição de Homenagem a Josefa d’Óbidos tiveram o apoio da Câmara.


Sim.


Essa exposição foi uma ideia da Ogiva, ou foi a Câmara que a propôs à Ogiva?


Não, foi uma proposta minha. Eu sempre tive uma paixão pela Josefa, sempre a achei uma pintora muito curiosa, até por ser mulher, uma mulher a pintar no século XVII não é brincadeira. A ideia nasceu, por um lado, porque eu achei interessante ter os artistas actuais a fazer uma homenagem à pintora, cruzando duas épocas completamente diferentes. Por outro lado, eu próprio nunca tinha visto as obras dela (tinha havido uma exposição da Josefa em 1943 ou 1944, em Óbidos, que eu não vi porque era muito miúdo), e seduzia-me a ideia de juntar coisas da Josefa.

Com o apoio da Câmara, que era muito pobre, arranjou-se uma solução engraçada: eu tinha um amigo que tinha uma daquelas carrinhas Citroën, igual à das Bibliotecas Itinerantes da Gulbenkian, e pedi ao presidente da Câmara para solicitar à Guarda Nacional Republicana que me acompanhasse na carrinha enquanto se iam recolher as obras, para não estarmos a pagar transportes nem seguros. A Câmara fez todos os pedidos formais de empréstimo e eu lá andei escoltado pela GNR pelo País quase todo a recolher os quadros da Josefa.


Essa é uma das exposições que têm catálogo.


Nós na altura já tínhamos consciência de que os catálogos são a única coisa que fica como memória das exposições. Quarenta anos depois, sabe-se que a Ogiva existiu, que os artistas estiveram, e pegando nos catálogos, podemos ver essas memórias.


Os catálogos editados pela Ogiva, para além de serem documentos daquela época, resistiram bem ao tempo, em termos estéticos. Quem fazia os catálogos?


Era eu que os fazia, tirando o primeiro, em forma de triângulo, que foi todo concebido e organizado pelo Espiga Pinto. A partir daí, era eu que ia fazendo tudo, e imprimia-se numa tipografia que havia nas Caldas, a Gráfica Caldense. Sempre tive amigos tipógrafos e comecei muito cedo a andar pelas tipografias, por isso estava dentro dos processos, se bem que nunca me tenha visto como gráfico. Tratava-se apenas de um meio para atingir um fim, normalmente económico. Não tinha a pretensão de fazer catálogos especiais, pelo contrário, fazia-os com o mínimo indispensável e acho que é por isso que eles ainda hoje se aguentam.


Mas o catálogo da exposição inaugural, com o seu formato triangular, os diferentes tipos de papel, teve outra ambição…


Isso foram as loucuras do Espiga, que eu até certa altura permiti, porque andava ocupado a acabar as obras da Galeria, mas depois quando apareceram as contas para pagar… Aquilo custou muito dinheiro. Mas acho que valeu a pena, acho importante aquele catálogo existir, não estou nada lamentoso por isso, acho que foi muito bom. O “triângulo” é uma peça que se vai manter toda a vida. E há também, o catálogo da minha exposição, que se desdobra todo.


Para além dos catálogos, também faziam folhetos e desdobráveis anunciando as actividades da Galeria, e também algumas edições como a do livro do António Areal, a “Confissão Tenebrosa”.


Sim, mas acho que não fizemos mais do que esse livro. O Areal apareceu uma vez a fazer essa proposta do livro, e eu disse-lhe que sim. Ele já tinha o livro todo definido, deu-me a maqueta e eu mandei fazer.


Como é que esse projecto do Areal se enquadrava no programa da Ogiva?


Integrava-se numa vontade de ter coisas novas, originais, feitas pelos artistas. O Areal era uma pessoa que eu admirava muito. Ele também tinha casa em Óbidos nessa altura, ia jantar a minha casa e passávamos muitos serões à conversa. E o livro deve ter nascido num desses jantares, tal como uma medalha, que assinala o segundo centenário do nascimento dele, e que foi uma proposta sua: “Tu que tens a mania das medalhas, porque é que não fazes a medalha do segundo centenário do meu nascimento?” Eu achei graça à provocação, fiz uma maqueta, ele fez a memória descritiva e fez-se a medalha.


Salette Tavares refere, num artigo da Colóquio Artes e a propósito da exposição que a Ana Vieira fez na Ogiva, o facto de a Galeria ter contribuído para a produção da obra que ela aí mostrou. Isso era uma prática comum da Ogiva?


Tudo aquilo que se fazia na Galeria era financiado pela própria Galeria, pagavam-se os materiais para a execução das obras e tudo o que era necessário.


O José Aurélio foi sempre conservando as obras criadas para eventos da Ogiva, nomeadamente a festa do segundo aniversário da Galeria, a homenagem a Josefa d’Óbidos ou aquele jogo da macaca do Alberto Carneiro que está agora exposto e que se pensava que já não existia. Ao longo destes anos todos, como lidou com elas?


Mantive-as presentes. Dou importância a certas coisas na minha vida, e essas obras fazem parte de um percurso importante apesar de grande parte das amizades desses tempos se terem amortecido (isso tem a ver com as fases da vida das pessoas). Elas funcionam como balizas de um percurso.


Às vezes pergunto-me por que razão tenho essa dedicação a estas coisas que sempre guardei e que são uma tralha que tenho à minha volta, uma coisa brutal, pelo espaço que ocupa, guardada por vários sítios durante dezenas de anos.


Como é que essas obras foram incorporadas na colecção da Ogiva ou na sua própria colecção: foram oferecidas, foram compradas, foram ficando? Por exemplo, as da homenagem à Josefa d’Óbidos?


Dessas eu penso que sou capaz de ter todas as que não eram perecíveis. Por exemplo, a do Alberto Carneiro desapareceu, porque era uma coroa de flores. De uma maneira geral, os artistas ofereciam, porque havia já nesse tempo a ideia de mais tarde ou mais cedo a Galeria passar a Museu. Havia peças que as pessoas não levantavam, ou não diziam expressamente que eram para o futuro museu, mas iam ficando, e umas deterioram-se, outras mantiveram-se. Uma peça que tenho e que gosto muito, as Bolas para a Josefa, dos Quatro Vintes, foi agora toda restaurada, porque estava em péssimo estado.

Qual foi a recepção crítica das actividades da Ogiva, fora do núcleo de pessoas que se empenharam em fazer a Galeria acontecer?

Todos nós, naquela altura, tínhamos uma série de rancores contra os críticos. Caímos na ingenuidade de acreditar na experiência de dar visibilidade à Ogiva sem a participação dos críticos.


Já nessa altura os críticos formavam um lobi poderosíssimo, por causa da AICA e não só. Dois dias antes da exposição inaugural fizemos uma conferência de imprensa local, em Óbidos, em que dissemos que iríamos provar que era possível ser-se artista em Portugal sem o apoio dos críticos de arte. A nossa esperança era criarmos um “bruá” para as pessoas virem; mas nem o “bruá” existiu, porque as notícias que os jornalistas publicaram não tinham interesse nenhum, nem mais ninguém escreveu nada. Acabámos por ser vítimas de uma ideia que julgávamos ser boa.


É evidente que isto foi um erro e a única pessoa que ainda veio à Ogiva ver o que se passava foi o Rocha de Sousa. Quem veio também e escreveu sobre a Galeria foi a Vera Lagoa, trazida por uma amiga. O João Miguel Fernandes Jorge também escreveu alguns textos.


Uma das coisas que se fala, hoje, a respeito da Ogiva é o facto de ela ter sido um local de “encontro de artistas”.


Esse sentimento presidiu à existência da Ogiva porque eu, por uma série de circunstâncias, tinha vários amigos em Lisboa e vários amigos no Porto. E alguns amigos em Coimbra. Embora essa ideia de encontro não fosse um objectivo, no fundo estava subjacente, porque a própria Ogiva contou com vários amigos que se juntaram em Óbidos para decidir várias questões relacionadas com a criação da Galeria. Os tempos eram outros, as pessoas tinham mais disponibilidade, estavam a lutar contra várias dificuldades que existiam e que sentiam em comum.


É interessante porque a Ogiva corresponde a uma época muito especial em que as pessoas se sentiam no “fim da linha”. Já ninguém suportava a situação política, a guerra colonial, etc. Tudo aquilo que pudesse aparecer era balsâmico, e hoje dá-me algum prazer sentir que as pessoas acreditaram no projecto da Ogiva, acreditaram em mim e nos artistas que estavam comigo e isso é bom, dá um certo conforto.


Mais tarde, a Ogiva acabou, vítima da primavera marcelista, porque as condições económicas melhoraram e naqueles três anos houve uma grande abertura de mercado. Começou a haver uma situação que não existia antes, a dos artistas comprometidos com as galerias.


Mas se a Ogiva não tinham objectivos comerciais, qual era a incompatibilidade de um artista se comprometer com uma galeria para vender, mas poder expor onde quisesse?


Os artistas começaram a ver as coisas doutra maneira. As galerias começaram numa guerra para agarrar artistas, e aquele projecto utópico que era a Ogiva acabou por não ter mais condições para continuar. Aliás senti-o, até com os entusiastas dos primeiros tempos que, a pouco e pouco, se foram afastando, invocando muito trabalho, muitas exposições, etc.


Como é que terminou a actividade da Ogiva?


A Galeria acabou por ser encerrada em Janeiro de 1974, não tendo havido qualquer actividade durante os tempos que se seguiram. Apenas de assinalar uma reunião do Movimento Democrático dos Artistas Plásticos, que deve ter acontecido em Julho ou Agosto. Nessa reunião, em que terão participado cerca de cinquenta artistas, foi discutida uma eventual solução para manter a Galeria aberta.


Nenhuma solução foi encontrada.


Passados estes anos todos, que momentos elege como os mais marcantes da Ogiva?


Aquilo que está gravado em mim em relação à Ogiva é a amizade que fiz com as pessoas, porque é isso que perdura, que se mantém vivo. Em maior ou menor grau, é isso que marca esse tempo, um tempo de comunhão de ideais que passava muito por uma forma de afirmação de uma ética. Foi uma época extremamente importante mas, se nós quisermos saber dela hoje, ela não existe, não se vê nem se apalpa. Não há um museu, nem nenhum local que registe aquele tempo, que foi crucial na afirmação da arte moderna portuguesa.


Mesmo na diversidade que havia entre todos nós, havia uma disponibilidade e uma capacidade de nos ajudarmos uns aos outros, de gostarmos uns dos outros, porque andávamos à procura das mesmas coisas. No fundo era uma forma de estar que era uma forma de ser feliz, ou de procurar a felicidade, o sonho, uma poética que existia nesse tempo e que a pouco e pouco foi sendo subvertida. É isso que eu tenho mais presente, porque o resto é como que uma memória nebulosa da própria Ogiva e das coisas que lá aconteceram. O que é mesmo nítido são as pessoas que se deram àquele projecto e o modo como nos demos uns aos outros.



Ana Vieira
Artista

Depoimento recolhido por e-mail em 01.09.2009


Tomei conhecimento da Galeria Ogiva, em primeiro lugar pelo próprio José Aurélio, antigo colega de Belas Artes, que criou a galeria, e finalmente por todo um grupo de artistas envolvidos na sua participação.


Não era frequentadora assídua da galeria. Ia sim a algumas inaugurações, onde se encontrava o grupo habitual de pessoas amigas ou conhecidas, como o Luís Noronha [da Costa], o Eduardo Nery, a Helena Almeida, o Artur Rosa, o Alberto Carneiro, o Manuel e a Graça Costa Cabral, o Manuel Baptista, o José Nuno da Câmara Pereira, etc.


A exposição individual que realizei na Ogiva correu muito bem porque havia condições de espaço, de montagem e empenhamento.


Sei que fui um dia ou dois antes, e dormi em casa da Alice e José Aurélio, o que na altura correspondia um pouco a uma leve aventura. Para mim, claro está! Até tive uma lição de como fazer bem uma cama… (sinal de ter estado mais de uma noite).


Não estou segura quanto ao facto da peça ter sido produzida pela Galeria, como escreveu a Salette Tavares. Penso que cederam móveis para a exposição, porque quando a repeti no Ar.Co, comprei móveis para os poder pintar de azul e assim integrá-los mais na peça.


O facto de ter mostrado na Ogiva um novo ambiente funcionou mais como uma oportunidade de o realizar porque não havia muitos locais para expor ambientes ou qualquer coisa que saísse de uma determinada escala, mais comercial.


De qualquer modo para mim a grande escala era essencial para que o corpo do espectador fosse, também, fisicamente envolvido. Acho que se vê com o corpo todo, mesmo sabendo que não é uma regra, porque esta se ajustar ao conceito de cada artista. (Por isso mesmo, não deixei de ficar encantada, quando vi as obras de “pequeno formato” existentes no Quai d’Orsay.)


A recepção por parte da crítica era positiva, mas por parte do público em geral, não faço ideia. Mas devia haver uma minoria que a justificava.


A Ogiva em relação, não a todas, mas à maior parte das galerias era na altura um caso paradigmático, fora dos centros (Lisboa e Porto) e com uma liberdade criativa que a tornou apelativa e necessária, pelo menos a uma minoria crítica e artística. Essa liberdade criativa reflectia-se num maior leque de escolhas, de grupos e correntes de artistas, bastante diversificada.


Não tenho uma opinião segura para dar uma resposta convicta sobre a importância da Galeria Ogiva sob o ponto de vista de qualidade e coerência. No entanto já é bastante ter corrido o risco de sair da norma, assim como o risco da diversidade. Mas é precisamente nessa diversidade que ponho em dúvida a sua coerência. Não por englobar vários meios de expressão mas pela não coincidência de inconformismo e inovação.


Penso que a partir de uma certa altura a Ogiva acabou por não ter artistas que garantissem a sua presença, por compromissos de exclusividade a outras galerias. Ironicamente poucos meses depois desta galeria ter fechado, aconteceu o 25 de Abril…


Ângelo de Sousa
Artista
Depoimento recolhido por e-mail em 02.09.2009


Tomei conhecimento da Ogiva quando fui informado que se ia fazer uma reunião, com o José Aurélio (que eu já conhecia), para se falar de um projecto de uma galeria em Óbidos. Seria em casa do José Rodrigues (e também foram arquitectos – creio que o Siza Vieira e o Alcino Soutinho). Realizaram-se mais algumas reuniões, viu-se uma maqueta da galeria (que me impressionou muito positivamente).

Não participei na definição do programa da galeria. A Ogiva era do José Aurélio (e em Óbidos). Eu ia lá muito irregularmente. Fui à Ogiva, no máximo, umas três vezes. Tenho uma opinião positiva acerca do trabalho que a Ogiva desenvolvia.

Diria que o facto de a Ogiva estar descentralizada em relação a Lisboa e o Porto foi, de um ponto de vista (estritamente) comercial, prejudicial. Na época as pessoas deslocavam-se menos.

Não frequentava críticos com especial insistência (ou como prioridade). Mas foi-me dito, creio que pelo Eurico Gonçalves e pelo Rui Mário [Gonçalves], que para o que os jornais lhes pagavam (de facto, uma quantia simbólica), teriam que gastar muito mais, apenas para se deslocarem até Óbidos (comboios e camionetas, refeições, etc.). Eis a razão [por que não escreveram sobre a Ogiva]. Como, à excepção destes dois irmãos (que tinham uma opinião – muito – favorável), não falei com outros críticos, não posso imaginar o que pensavam a propósito da Ogiva.


Carlos Natividade Correia
Artista
Depoimento recolhido por e-mail em 13.08.2009


Conheci a Ogiva desde o seu início. Como artista participei numa exposição colectiva no Verão de 1972, sendo esta a primeira intervenção colectiva no meu “percurso”. Claro que foi muito importante conhecer pessoas como o António Areal, o Rogério Ribeiro, o João Vieira, a Menez e muitos outros autores cuja obra me interessava particularmente nesses meus anos de descoberta (entre os 16 e os 18).

A Galeria Ogiva nas suas diversas actividades e iniciativas desenvolveu em mim (ainda jovem alcobacense) a necessidade de mostrar e confrontar o meu trabalho com o de autores reconhecidos (na sua maioria mais velhos), o que me fez sair de casa (nessa altura os jovens artistas tinham muito pouco acesso à informação e dificuldade em expor).


José Espiga Pinto
Artista
Depoimento recolhido por escrito em 02.09.2009


Conheci José Aurélio em 1957, fomos alunos e colegas do curso de Escultura (…). Liguei-me ao projecto da Ogiva logo de início e acompanhei-o assiduamente, interrompendo apenas quando fui para o estrangeiro com uma bolsa da Gulbenkian.

Eu já tinha ligação a Óbidos antes da Galeria Ogiva, pois lá ia muitos fins de semana. Aluguei em Óbidos uma pequena casa e a arquitectura tinha afinidades com a do Alentejo, minha terra natal, e estava próximo de Lisboa, onde eu vivia e trabalhava. Tinha longas conversas com o Zé Aurélio, onde por vezes também estavam outros colegas, como o Areal, a Helena Almeida, o Jorge Peixinho… Tomei conhecimento do “projecto Ogiva” e, como convidado, aderi de imediato na colaboração, desde ideias para se porem em prática à montagem das exposições, ao atendimento de pessoas visitantes, tudo sem honorários…

Não sei que apoios tinha a Ogiva para funcionar, não era a minha área de colaboração. Os transportes das minhas obras e desdobráveis ou folhetos das minhas exposições era tudo pago por mim – a Ogiva fazia os convites…

José Aurélio, o pai da Galeria Ogiva, deu continuidade aos nossos projectos e sonhos enquanto alunos da ESBAL, onde nada se passava a não ser repressão de ideias e de criatividade. A Galeria Ogiva era o oposto; ali, fazíamos muita auto-crítica, e aceitávamos a troca de ideias, mesmo diferentes. Entendíamo-nos. Podíamos expor com critérios de qualidade, incluindo a liberdade criativa, e confiávamos no bom – o que não se podia expor nas outras galerias, pela forma, temática ou grandes dimensões, que não eram aceites. Era um verdadeiro laboratório de arte, um lugar pioneiro da arte em Portugal. (…) Fiz duas grandes exposições e penso que foram marcos na minha obra.

A Ogiva foi o primeiro grande centro de mostra de arte contemporânea e moderna do século XX em Portugal (particular, pois já existia a Fundação Gulbenkian com o seu lugar de instituição), mesmo nas colectivas temáticas, como a exposição de homenagem a Josefa d’Óbidos.

Promoviam-se muitas vertentes: desenho, gravura, serigrafia, pintura, escultura, instalações, sessões de música experimental com António Vitorino de Almeida (um memorável acontecimento), Jorge Peixinho, happenings onde todas as pessoas participavam… e ainda se coordenava isso com a vertente artesanal, com a arte popular e naif. (…) O que acontecia era o diálogo nas “expressões da arte”, pois “arte” há só uma.

A Ogiva tinha uma localização ideal, estava no centro de Portugal, era a equidistância, era a novidade em beleza, era a qualidade, era a cultura portuguesa, era a arquitectura genial do espaço (o caminho de fim-de-semana era para Óbidos). (…) Quando estive em Estocolmo com a bolsa da Gulbenkian, encontrei um projecto idêntico, numa ilha do porto de Estocolmo, era um grande armazém transformado na Galeria Lilia Walch. Mas a Ogiva era muito superior em tudo… a arquitectura, o espaço arquitectónico criado pelo Zé Aurélio, era genial… E tinha um grupo de “artistas” colaboradores e de visitantes que vinham do Algarve ao Minho, era a “arte portuguesa” concentrada na Ogiva.



Jorge Pinheiro

Artista

Depoimento recolhido por e-mail, em 27.08.2009


Como tomei conhecimento da Ogiva? Porque há muitos anos era amigo do José Aurélio.


Não participei oficialmente, nem oficiosamente na definição dos critérios da Ogiva. A Ogiva foi um projecto do proverbial dinamismo do Zé Aurélio. Se as numerosas conversas que teve com os amigos e colegas ajudaram a que ele construísse uma definição e um programa, então, talvez eu tenha contribuído também, involuntariamente, para isso.


Visitava Óbidos, com muita frequência, com a minha família para conviver com o Zé Aurélio e com a sua família independentemente da Ogiva. Sim, encontrava, por vezes, amigos comuns ou amigos deles que por lá apareciam. Recordo-me de que foi em sua casa que conheci o Areal e talvez o Rogério Ribeiro.


A recepção do público às actividades da Ogiva era de festa, expressão muito em moda na altura em situações semelhantes. Obviamente que essas pessoas, a quem estamos a designar por “o público”, era um grupo socialmente constituído por um núcleo muito restrito do que se chama hoje o mundo da arte. Além disso, pelo facto de Óbidos estar fora dos centros urbanos maiores, a ida aos acontecimentos na Ogiva constituía uma forma de turismo com uma mais-valia cultural. Nada de diferente, em suma, do que acontece hoje.


A descentralização dos pólos culturais é sempre benéfica; mas, atendendo às implicações sociais, políticas e económicas que envolve, o problema dava para uma tese de doutoramento ou para encabeçar um movimento de cidadãos.


O que a “crítica” escreveu e o que não escreveu? Francamente, não me recordo nem me parece, sem pretender minimizar o que foi escrito, que isso tenha sido relevante para o que foi, enquanto foi, a vida da Ogiva. Havia algumas pessoas a escrever sobre as exposições. O J.-A. França já praticamente não escrevia sobre estes acontecimentos e surgiram nomes que depressa desapareceram. O Rui Mário Gonçalves e o Fernando Pernes, que me recorde, eram os mais próximos de nós, muito companheiros de aventura e, em nada, curadores ou comissários ou advisers e muito menos legitimadores oficiais ligados a instituições – os tais Cesare Ripa da Modernidade. A arte do pós moderno neoliberalismo, a do negócio puro e duro cirurgicamente administrado, já andava pelas Américas mas ainda não se tinha instalado em Portugal.


Se não erro, a Ogiva nasceu em 1965 exactamente a meio de uma década extremamente fecunda da arte Ocidental; fecunda porque este Mundo Ocidental vivia um período de prosperidade económica alicerçada na tripa forra da exploração das matérias-primas e da mão-de-obra do Terceiro Mundo e não só: autofagicamente, devorava também o suor dos próprios europeus: os do Sul, como os emigrantes portugueses, até que, na primeira crise do petróleo, este forrobodó deu o seu primeiro trambolhão.


Paralelamente a essa abundância, “et pour cause?”, quer na Europa quer nos Estados Unidos, geraram-se movimentos socioculturais profundamente contestatários e transformadores. E as artes, tal como a pele de qualquer humano, imediatamente reflectiram, no plano conceptual, esse renovador discurso antitético que se instaurou e do qual muitos artistas foram agentes activos: mas essa situação gerou, de facto, desenvolvimento tecnológico que, por sua vez, originou transformações profundas nas formas de expressão artística e benefícios pessoais para os artistas. Estou a recordar-me, por exemplo, da magnífica escultura inglesa desses anos sessenta: de Anthony Caro, Paolozzi, Phillip King, Francis Morland, etc., a quem estes novos materiais, como a resina de poliéster, a fibra de vidro, o alumínio ou renovados processos de acabamento do aço permitiram a criação de formas totalmente inovadoras.


E os benefícios dessa abundância de capital, por paradoxal que se supusesse, passaram a ser igualmente aproveitados por movimentos “artísticos” – o termo é hoje fonte de debate – que se fundamentavam, total ou parcialmente, no conceito e não no objecto e se auto-proclamavam independentes do sistema de mercado. Paradoxais, portanto, tais financiamentos feitos pelas mesmas fontes da arte objectual, uma vez que estes, em princípio, geravam mais-valias e os outros pareciam investimentos a fundo perdido? Talvez, menos para o capitalismo financeiro exímio negociador do invisível e até do inexistente.


Ora bem: Se todas as formas de expressão surgidas nesse período, na sociedade europeia e na dos Estados Unidos, emergiram das suas transformações socioeconómicas, em Portugal, onde há décadas nada se transformava e o alfobre era de terra sem húmus, nada de realmente novo aqui nasceu nos anos sessenta. Sem masoquismo e tentando ser realista, tenho que constatar que o facto de testemunharmos e analisarmos essas transformações, e de muitos de nós termos habitado esses espaços onde se operavam as transformações, não nos tornava sujeitos actuantes e interventivos dessas acções; estivemos ”lá” como alunos estudiosos, como turistas ou, principalmente, como espectadores atentos. Se assim foi, o que fizemos nessa década, ainda que, por cá, se considere ter estado em consonância com o que surgia fora das nossas portas, não passou, a meu ver, “et malgré nous” de puro epifenómeno. Como (quase, quase) sempre na nossa História!


Portanto, a Ogiva, ou a Alternativa Zero – outra panorâmica vasta duma multiplicidade de artistas – foi honrosa vitrina daquilo que, na hora, ou com maior ou menor desfasamento no tempo, “também nós” sabíamos fazer – “fazer assim”. É verdade e é pena, mas não podia ter sido de outra forma! E não lamento, entenda-se, a nossa impossibilidade de criação de uma arte nacional ou, ainda menos, nacionalista: lamento sim, a fatalidade da criação de discursos meramente metalinguísticos apesar de o Mundo, nesse período, já estar a minguar e de os movimentos artísticos ainda estarem geograficamente identificados e, como tal, assumidos.


Enfim, as convulsões e as transformações sociais geraram sempre ideias que se consubstanciam em coisas, como livros, pinturas, música eu sei lá que mais. Coisa que, há milhares de anos, só no palácio pode “fabricar-se”, porque, não só mas também, lhe é imprescindível à iconografia concedente do seu corpo simbólico e promessa de eternidade. Nunca, portanto, no bairro de lata! O que, até hoje, temos chamado Arte, é uma flor delicada que necessita do estrume rico do dinheiro. Depois, o dinheiro confere o poder, incluindo o de legitimar e o de tudo deglutir, bulimicamente: até o “everything” dos nossos dias, o tal nada, sabiamente gerido pelo capital financeiro.


A Ogiva, não era uma galeria comercial – ainda que as obras estivessem à venda – mas sim um “espaço de afectos”, onde toda a gente era amiga de toda a gente. O que retenho hoje, passados todos estes anos é, fundamentalmente, isso. Quando o Zé Aurélio inaugurou o Armazém das Artes, e chamou à exposição “Escultura com afectos”, muito provavelmente, puxou de lá de longe esse fio da meada.


Sim, é um facto, a Ogiva apresentava obras com formas de expressão absolutamente diversas: porque não representava artistas, nem trabalhava uma orientação estética: tinha amigos e os amigos faziam o que lhes dava na real gana. Sem estratégias. (Estratégias? Ele há termos que são gatos escondidos com o rabo de fora).


Nunca soube, ou já não me recordo, como e porquê encerrou a Ogiva.



Manuel Baptista

Artista

Depoimento recolhido por escrito, em 27.09.2009


Conheci o José Aurélio na Escola Superior de Belas Artes de Lisboa por volta de 1957-58. Eu frequentava o curso de Pintura, ele o de Escultura. Fizemos amizade e convivemos bastante. Ele foi viver para Óbidos, onde alugou uma casa. Notei, desde logo, a sua grande habilidade para organizar espaços e, para além de escultor, ele poderia ter sido arquitecto. Lembro-me que a sua casa de banho era uma verdadeira escultura…


Eu geralmente ia às inaugurações das exposições da Ogiva com amigos, principalmente com a Helena Lapas, o David Evans e o Espiga Pinto. Nunca me envolvi nos conteúdos programáticos da Galeria, mas lembro-me que as inaugurações eram, por vezes, um acontecimento social importante, sobretudo com pessoas vindas de Lisboa. A dada altura, o Areal foi também viver para Óbidos e era mais um pretexto para eu ir lá. Para mim era um ponto de encontro onde os artistas conviviam bem de uma maneira geral.


A Galeria Ogiva foi das primeiras galerias que apareceram, fora de Lisboa, com exposições de qualidade. A Ogiva atraia a atenção dos artistas, na altura, quer pelo bom entendimento com José Aurélio, quer pela qualidade das exposições. Da crítica não me lembro, mas na altura pouco se escrevia sobre arte nos jornais.


O facto de a Ogiva ter acontecido em Óbidos foi benéfico para a região, pois atraiu muita gente, mas prejudicou-se por estar fora da “cena”, isto é, Lisboa. Além disso, não se vendia e os artistas dispersavam-se pelas galerias comerciais que exigiam algum compromisso de fidelidade e exclusividade e monopolizavam o público e a crítica. Aliás, penso que foi este fenómeno que levou ao encerramento da galeria. Digamos que havia um bom entendimento democrático que a pouco e pouco se foi perdendo porque cada um começou a pensar mais seriamente na sua carreira e na ligação com as galerias que permitiam chegar ao público comprador e à crítica.



Nikias Skapinakis

Artista

Depoimento recolhido por e-mail, em 30.08.2009


Há cerca de quarenta anos participei na Galeria Ogiva numa exposição de homenagem a Josefa de Óbidos, organizada pelo meu companheiro das artes José Aurélio.


Logo a seguir ao 25 de Abril tomei parte numa das primeiras reuniões do Movimento dos Artistas Plásticos que também teve lugar na Galeria, em Óbidos.


Agora José Aurélio organiza num espaço congénere da Ogiva de boa memória, uma Exposição "afectuosa" na qual igualmente participo. É tempo, portanto, de comemoração e de parabéns merecidos.